Valor Econômico -
23/12/2013
A decisão da União Europeia de questionar na Organização Mundial do
Comércio (OMC) os programas brasileiro de apoio à indústria instalada no
país só prejudicará as negociações de livre comércio entre o bloco
europeu e o Mercosul se o governo brasileiro quiser.
As críticas
dos europeus aos programas do Brasil, especialmente ao Inovar-Auto, são
antigas e nunca foram mencionadas pelos diplomatas da União Europeia na
mesa de negociação comercial, até porque seria o local errado para isso.
Se decidir retaliar abrindo uma guerra comercial contra os europeus, o
Brasil estará dando uma indesejável demonstração de imaturidade.
Em
2004, antes do impasse nas negociações UE-Mercosul - por outros motivos
-, foi a União Europeia que sofreu questionamento na OMC, pelo Brasil,
por seus subsídios ao açúcar e pelas barreiras indevidas ao frango
salgado. Os europeus trataram o litígio como uma disputa técnica, que
nada tinha a ver com a negociação de liberalização comercial.
É,
de fato, estranho o timing, desta vez, que faz coincidir a disputa na
OMC com a demora europeia em se engajar na discussão de livre comércio.
Mas uma reação emocional da parte brasileira só interessa a quem não
quer o acordo. E o Brasil quer.
O mais estranho no questionamento
ao Inovar-Auto é que o atual regime automotivo favorece empresas
europeias instaladas no Brasil, protegidas pelo programa contra
importados mais baratos, especialmente os chineses. Ficaram de fora
apenas algumas montadoras.
As de carros de luxo, como a Audi,
foram as que mais se queixaram; e o governo imaginou ter comprado o
apoio dos descontentes criando cotas de importação e facilitando a
instalação de fábricas estilo CKD, de montagem de autos, com prazos mais
flexíveis de nacionalização das linhas de montagem.
Diplomatas brasileiros terão trabalho duro
O
fato é que, pelas regras da OMC, uma vez pago o imposto de importação, o
produto importado não pode ser discriminado na hora de pagar imposto.
Ponto. Cobrar alíquotas de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)
diferentes para um carro importado ou um que cumpra etapas de
fabricação no Brasil viola essas regras, e os diplomatas brasileiros
terão trabalho duro pela frente para mostrar que uma coisa é uma coisa e
outra coisa é outra coisa. Mas fica a dúvida: se foram acomodados os
interesses europeus, e se os blocos europeu e sul-americano estão
buscando aproximação, por que sair, agora, com essa queixa na OMC?
Uma
explicação, levantada em Genebra, para a atitude europeia, é o
efeito-demonstração . Ilegal ou não, o Inovar-Auto mostrou ser bastante
bem-sucedido em seu objetivo de contornar a extrema falta de
competitividade da produção industrial no Brasil. A produção, de janeiro
a novembro de 2013, chegou ao recorde de 3,5 milhões de veículos, 12%
acima do mesmo período em 2013; e a exportação, impulsionada pelos
argentinos buscando opções de investimento, aumentou quase 30%. A
previsão de investimentos do setor passa de sonoros R$ 75 bilhões até
2017. Há temor, na Europa, que outros emergentes, como Indonésia,
Turquia, Índia, resolvam seguir o exemplo.
Soma-se a isso o fato
de que as medidas para assegurar conteúdo local por meio de
discriminação tarifária não se restringiram ao setor automobilístico e
se estendem para os cobiçados setores de telecomunicações e petróleo,
por exemplo. Está explicado o mau humor com a política industrial no
Brasil, um dos mercados promissores para a manufatura europeia.
Uma
segunda explicação para a disputa aberta pelos europeus é a de que o
bloco agiu preventivamente, para assegurar que não haverá extensão de
prazos para o Inovar-Auto e outros programas. O programa de estímulo às
montadoras, que sobretaxa com o IPI automóveis que não cumpram
requisitos de produção no país, por lei deve acabar em 2017.
As
regras da OMC preveem a possibilidade de apoio às indústrias nacionais,
como os subsídios para as fábricas instaladas no país. Mecanismos como o
Reintegra, que devolve aos exportadores em dinheiro ou crédito
tributário uma parcela do que teoricamente pagaram em impostos
indiretos, também são aceitos pela organização. O Reintegra, porém, está
marcado para acabar em 2014, e o governo rejeitou modelos mais
complexos de apoio à indústria em favor de regras como as previstas no
Inovar-Auto, que são mais fáceis de aplicar, mas revelam uma
discriminação tributária entre importados e nacionais.
Partir
para abertura de casos contra os europeus, em retaliação, na OMC, ou
deixar que a disputa sobre a política industrial contamine as
negociações entre Mercosul e União Europeia são atitudes que certamente
não melhoram as perspectivas do acordo comercial desejado tanto pelo
setor rural quanto pela indústria no Brasil. E pouco ajudaria o país a
reverter a decisão europeia de contestar o modelo escolhido pelo governo
federal para estimular a indústria.
A queixa à OMC é uma opção
técnica, muito usada pelo Brasil, que sempre procurou despolitizar o
recurso a esse mecanismo (como fez no caso recentemente vencido contra
os subsídios ao algodão nos EUA). Comprometer a negociação do acordo com
a UE por essa queixa seria trazer para o campo brasileiro uma bola que
está, por enquanto, de forma constrangedora estacionada no campo
europeu. Foi a União Europeia que adiou para janeiro a troca de
propostas de livre comércio, que estava prevista para novembro, alegando
não estar pronta para negociar.
Melhor será aproveitar a disputa
com os europeus e reavaliar os métodos escolhidos para estimular
investimentos na indústria e na pesquisa e tecnologia nacionais. É uma
chance de identificar mecanismos de apoio à produção local menos
ofensivos ao sistema multilateral de comércio, que o próprio Brasil luta
para fortalecer.
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