sexta-feira, 28 de março de 2014

O som da motosserra - Carlos Herculano Lopes‏

O som da motosserra 
 
Carlos Herculano Lopes - carloslopes.mg@diariosassociados.com.br
Estado de Minas: 28/03/2014


Ainda era bem cedo, menos de 7h de um domingão sem o que fazer, a não ser se encontrar com uma irmã no início da tarde, quando o homem começou a escutar o barulho de uma motosserra. Irregular, mas bem alto, viu que devia estar perto da sua casa. “Alguma árvore deve estar sendo cortada por aqui”, pensou. Daí a alguns minutos se levantou, foi ao banheiro, fez a barba, depois tomou café na companhia da sua mulher, que estava de plantão naquele dia, despediu-se dela e chegou à janela, atraído pelo som da motosserra. Com a mesma insistência, entre pequenos intervalos, o barulho continuava.

 Qual não foi sua surpresa quando, ao olhar para a casa em frente ao seu prédio, onde funcionava uma empresa ligada à construção civil, com uma mangueira centenária no quintal – até há pouco tempo carregada de frutos –, viu que era ela que estava sendo cortada. Também a casa, que não era tão antiga como a árvore, começava a ser destelhada. Com movimentos certeiros, de quem conhece do ofício, um homem de uniforme, protegido por cintos (ironicamente presos aos galhos) continuava impassível, com a motosserra na mão, a fazer o serviço. “Com certeza a mangueira será apenas podada”, o homem pensou.

Nesse meio tempo, atendeu dois telefonemas. Nenhum era para ele, mas procuravam uma certa Marlene, que provavelmente, algum dia, tenha sido a dona daquela linha. Não era a primeira vez que acontecia. Também molhou as três mudas de tamarindo, que nasceram de sementes que havia recolhido na Praça da Assembleia, onde costuma fazer suas caminhadas. Tentou começar a leitura de um novo romance, mas ficou com preguiça. O som da motosserra, entre idas e vindas, ecoava em seus ouvidos.

“Será que estão terminando de podar a mangueira?”, perguntou-se. Voltou à janela, olhou para o local onde a cena se passava e viu que, em frente à mesma, já começavam a colocar os galhos em um caminhão. Em seguida, seus olhos voltaram-se outra vez para a árvore: apenas o tronco estava de pé. Mas o operário continuava, da mesma forma, a realizar seu trabalho.

Foi então que o homem, voltando-se aos já distantes dias da infância, quando ele e sua mãe também haviam plantado uma mangueira no quintal da pequena fazenda onde viviam, pensou, olhando para a que estava sendo destruída: “Quem a terá plantado? De onde terá vindo a semente? Que família terá morado nessa casa?” . Essas perguntas, como o som da motosserra, iam e vinham na sua cabeça.

 Daí a pouco, como tinha o compromisso no início da tarde, começou a se preparar: tomou um banho com água morna, quase fria. Depois serviu-se de outro café forte, para animar um pouco. Olhou algumas mensagens no Facebook e atendeu dois outros telefonemas, que já não eram para Marlene.

 Abriu de novo o romance e leu algumas páginas. Minutos depois, na portaria do prédio, encontra-se com uma vizinha, da qual havia se tornado amigo: “Você viu, Carlos? Cortaram a mangueira e ouvi contar que vão também derrubar a casa e construir ali mais uma torre”, ela disse. Na carroceria do caminhão, que continuava do outro lado da rua, estavam terminando de colocar o que restou da velha árvore.

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