GRAMÁTICA UNIVERSAL »
Receita linguística
Roberta Machado
Estado de Minas: 11/04/2014
Brasília – A ordem
dos fatores altera, sim, o produto. Ao menos no campo das palavras, que
causam estranhamento quando aparecem fora do lugar de costume. Isso
ocorre porque a mente humana demonstra uma preferência natural por certa
disposição dos termos em uma sentença. A regra é seguida
instintivamente quando vamos escrever, falar ou aprender uma nova
língua. De acordo com um estudo da Queen Mary University, de Londres, as
pessoas seguem um padrão ao escolher o ordenamento das palavras, dando
mais destaque, por exemplo, aos adjetivos do que aos numerais.
Os
pesquisadores montaram uma pequena série de experimentos para entender
como os falantes da língua inglesa compreendem a ordem natural de uma
frase: se eles seguem uma estrutura padrão, em que os verbetes vêm
sempre na mesma ordem, ou se o mais comum é arranjar a sentença de
acordo com a importância do sentido, dando prioridade às palavras que
modificam o sentido do objeto em relação a outros complementos. O
primeiro caso foi chamado pelos estudiosos de “superficial”, enquanto a
conversação focada no sentido foi determinada como “estrutural”.
Para
chegar a uma resposta, os linguistas criaram um idioma que foi ensinado
a 160 voluntários e, depois, colocado à prova para que o instinto dos
falantes se revelasse. O novo dialeto, na verdade, era uma versão
invertida do inglês, que usava verbetes dessa língua mas com sua
disposição alterada. Se o normal para os anglofônicos é colocar o
adjetivo antes do substantivo – por exemplo, a expressão carro azul, em
inglês, é blue car –, a linguagem aprendida pelos participantes invertia
essa lógica: nela, o correto era dizer car blue.
Os cientistas
apresentaram várias frases para os voluntários, cada uma com um tipo de
complemento colocado depois do substantivo: adjetivo, numeral e
demonstrativo. Ao fim das aulas, os voluntários tinham tido contato com
diversas combinações invertidas, como car blue, car four e car that
(azul carro, carro quatro e carro aquele, na tradução em português). Com
base no que aprenderam, as pessoas tiveram, então, de montar expressões
mais complexas por conta própria.
A questão que interessava os
autores era: na hora de produzir uma combinação maior, de um substantivo
e dois complementos, por exemplo, qual dos complementos viria antes? Os
participantes prefeririam dizer car four blue ou car blue four? De
acordo com o dialeto inventado, as duas formas seriam teoricamente
corretas, já que, em nenhum momento do experimento, uma apresentação do
tipo havia sido mostrada aos voluntários. “A primeira (car four blue) é
como a ordem em inglês, porque o número vem antes do adjetivo. Mas a
segunda é como o inglês de uma forma diferente: o adjetivo fica mais
perto do substantivo”, explica Jennifer Culbertson, pesquisadora de
linguística da Queen Mary University que conduziu o estudo.
A
grande maioria dos participantes (94%) montou as frases posicionando o
adjetivo mais próximo ao substantivo (car blue four). Quando havia três
complementos, o demonstrativo aparecia, geralmente, em último (car blue
four that). Essa escolha é uma versão invertida do que seria a ordem
natural do inglês tradicional, mostrando, segundo os pesquisadores, que
os falantes dessa língua pensam nos verbetes de acordo com uma
hierarquia semântica. Ao “espelhar” a construção da sentença, os
participantes, inconscientemente, obedeciam ao isomorfismo da língua, e
não à ordem superficial dela.
Para os autores do estudo, os
resultados podem ser um reflexo de uma propriedade arraigada no sistema
cognitivo humano, como um instinto natural da espécie. Pode ser que a
preferência dos participantes esteja ligada ao conhecimento da própria
língua inglesa, que também segue a regra da hierarquia semântica, mas,
baseados em uma série de outros trabalhos, os linguistas defendem que a
origem dessa escolha está nos genes, em um talento que é inerente à
mente humana, e não aprendido ao longo da vida.
Se as respostas
dos participantes forem as mesmas com grupos russos, espanhóis ou
brasileiros, isso apoiará a teoria de que as pessoas falam e escrevem de
acordo com uma gramática universal, um tipo de conjunto de regras
linguísticas que formam todas as línguas naturais do mundo. “Acreditamos
que (os resultados) seriam os mesmos se as relações semânticas entre
palavras, e como elas são usadas para formar uma ordem linear, forem
universalmente preferidas. O resultado seria o mesmo não importa em que
língua. Esperamos investigar isso em trabalhos futuros”, diz Culbertson.
O
conceito de uma gramática universal surgiu há mais de oito séculos, mas
só ganhou força a partir da década de 1950, com a publicação de
trabalhos de Noam Chomsky. Esse filósofo e linguista enfrentou o
pensamento behaviorista ao defender a ideia de que toda pessoa nasce com
a habilidade inerente de aprender qualquer língua no mundo. De acordo
com ele, todas as linguagens seriam, de alguma forma, desenvolvidas com
base nesse instinto de comunicação – obedecendo os conceitos que o
cérebro “compreende” naturalmente, como a diferenciação de palavras em
diferentes classes e a disposição dessas classes em uma ordem lógica nas
frases.
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