sexta-feira, 2 de maio de 2014

CARLOS HERCULANO LOPES » Em Poços de Caldas‏

CARLOS HERCULANO LOPES » Em Poços de Caldas
Estado de Minas: 02/05/2014


Numa tarde dessas, em Poços de Caldas, em algum lugar da Praça Pedro Sanches, próximo ao Palace Hotel, um carroceiro dava comida a seu cavalo, com a charrete desatrelada, enquanto aguardava uma nova leva de turistas. Com um aspecto cansado, como alguém sem esperanças na vida, o animal mastigava seu bocado de ração. Um pouco à frente, sentados em um banquinho, dois amigos de cabelos brancos jogavam damas, como se nada mais lhes importasse. Talvez fossem aposentados. Um deles, que era alto e quase obeso, ostentava um vasto e bem cuidado bigode.

De frente para eles, o homem, que estava de passagem pela cidade, à qual há tempos não voltava, também deixava o tempo correr, como aqueles dois, que se divertiam com o jogo. E observava as coisas que, uma após a outra, iam ocorrendo à sua volta.

Foi assim que uma mulher, usando calça jeans e uma blusa colorida, cruzou a rua em frente ao Palace empurrando um carrinho de bebê. Dentro dele, o homem notou que estava uma menina e esta sorria, dona de toda a inocência do mundo. Numa árvore bem frondosa, das tantas que existem por ali, um sabiá-laranjeira se despedia da tarde.

“Está começando a fazer frio”, pensou o homem, que estava em Poços de Caldas a trabalho. Antes de chegar ali, na tentativa de conseguir fechar alguns negócios para a empresa em que trabalha, havia passado por Luminárias, uma cidade linda, que ele ainda não conhecia. O nome do lugar, como lhe disseram, tivera origem numas supostas luzes que, em tempos passados, surgiam misteriosamente nas serras que a circulam. Alguns afirmam que ainda hoje, em noites de muita escuridão, elas costumam aparecer.

Há mais de uma semana na estrada, tinha ido também, não necessariamente nessa ordem, a Oliveira, Perdões, Três Corações, Lavras, Machado, Alfenas e Varginha. Ali, um vendedor ambulante, que não devia ter nem 15 anos, a qualquer custo quis lhe passar um suvenir com a imagem do ET. Este sorria, com os olhos esbugalhados.

“Ele apareceu mesmo aqui na cidade, duas mulheres conhecidas da minha mãe e um sargento lá do quartel viram”, afirmou com convicção o garoto. Só faltou dizer que também tinha estado com o extraterrestre. Olhando para aquele adolescente, lutando com gana para ganhar seu dinheiro, o homem se lembrou de que também ele, para ajudar no sustento da família, tinha começado a trabalhar muito novo.

Mas aos poucos todos esses pensamentos, igual àquele vento frio, que não parava de soprar na Praça Pedro Sanches, no coração de Poços de Caldas, também foram se dispersando, à medida que ele – como tivesse se esquecido de alguma coisa – voltava os olhos para onde, até poucos minutos antes, o cavalo comia ração. Outro animal e carroceiro tinham ocupado o lugar. No banquinho em frente, no qual os amigos jogavam damas, estava um casal de namorados que se beijava com os olhos fechados. A orquestra de violeiros Paisagens do Sertão se preparava para um show no coreto.

 Foi então que aquele homem, que no próximo mês completa 60 anos – mas ainda nem pode pensar em se aposentar – pegou o celular e ligou para sua mulher, que pareceu não acreditar, pois aquilo quase nunca acontecia. “Está tudo bem, meu amor, amanhã cedo volto para a casa. Estou com muitas saudades de você”, disse. Em seguida, se levantou e, bem devagar, foi para o hotel. A noite, sem que percebesse, havia caído sobre a cidade. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário