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Imprima-se a lenda
Domingos Pellegrini comemora decisão da Câmara dos Deputados e manda a biografia Minhas memórias de Leminski para as livrarias
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 12/05/2014
O bandido que sabia latim (Record), escrita por Toninho
Vaz, cuja quarta edição foi interditada judicialmente pela família do
poeta curitibano, não intimidou o escritor Domingos Pellegrini. Ele
acaba de lançar a versão ampliada de Minhas lembranças de Leminski
(Geração Editorial), apesar de a viúva, Alice Ruiz, não autorizar o
livro.
“Sei que você é um dos que ele considerava amigo, embora, entre esses, três já mostraram que ele estava enganado. Lendo seu livro percebo que, nas entrelinhas, você está à beira de se unir a eles”, escreveu Alice Ruiz em e-mail a Pellegrini, publicado em Minhas lembranças...
A Câmara dos Deputados aprovou o projeto que permite a publicação de biografias de personalidades públicas sem necessidade de autorização do biografado ou de seus descendentes. Confiante, Pellegrini mandou a biografia para as prateleiras. “Como as novas regras só faltam passar pelo Senado, que juiz concederia um embargo? Ele ficaria conhecido como o último censor da República junto das herdeiras”, afirma.
Lançado inicialmente na internet, o livro ganha nova edição que coincide com os 25 anos da morte de Leminski (1944-1989) por complicações causadas pelo consumo de álcool. Identificado no texto como Pé Vermelho, o autor conta que o convite do editor Samuel Ramos para escrever sobre o amigo veio em 2013. Alice Ruiz e as filhas supervisionariam o trabalho, aprovado por elas.
À medida que os capítulos ficavam prontos, eles eram enviados às herdeiras, mas a resposta delas nunca chegava, conta o autor. “Comecei convidado para escrever um livro e me saiu outro. Não escreveria uma biografia chapa branca. Fui juntando cacos para formar uma história fora do óbvio, como Leminski gostaria, uma polca de retalhos costurados por um conivente”, explica Pellegrini.
Pé Vermelho surge na terceira pessoa, enquanto o poeta se manifesta na primeira. Os últimos dias dele são narrados com intensidade: “E, finalmente, o último golpe líquido que me liquidou foi a hemorragia esofágica (...) Vi, sim, o jorro vermelho ir bater lá na parede, tanto sangue que deixava claro não ter importância saber se era venal ou arterial (...) E, entre tantos líquidos, o coração é quem decidiu a parada, parando de bater. Liquidou-se-me”.
A réplica de Alice Ruiz veio por e-mail. “A ênfase ao álcool, sua leitura de uma ‘precariedade’ de bens em nossa casa (você nunca ouvir falar em contracultura?), as observações exageradas sobre ‘falta de banho’, que corresponde a um período de maiores excessos (...) Enfim, tudo isso serve para criar uma imagem bem negativa do Paulo em contraponto à sua, que aparece como o interlocutor por excelência e cheio de qualidades que supostamente ‘faltavam’ a ele”, desaprovou a viúva.
TRÊS PERGUNTAS PARA..
. Domingos Pellegrini
. Escritor
Como foi escrever a biografia de Leminski, mesmo sabendo que poderia melindrar a família do poeta?
Fui convidado pelas herdeiras e fiquei honrado. Li O bandido que sabia latim, de Toninho Vaz, e vi que ele já tem ali uma boa biografia, aliás, sugerida pela viúva, que agora a rejeita, o que é mais uma evidência de que biografias não podem ficar à mercê de biografados e herdeiros. Então, escrevi um livro que mistura um pouco de biografia com minhas lembranças dele. É um livro amoroso e criativo, como ele gostaria, e me sinto orgulhoso. Se a família não gostar, pode pedir correções, que agora, com a nova legislação, serão julgadas rapidamente por um juiz. Nossa democracia avançou em liberdade e responsabilidade.
Qual é a visão que você tem do poeta?
Ele cultivou sua lenda pessoal conscientemente, basta olhar suas expressões nas fotos, plantando-se como ídolo pop, embalado por uma aura cult com tempero erudito – mistura única na cultura brasileira. Aliás, invento o termo “unicabilidade” para defini-lo, pois tinha linguagem e visão de mundo únicas, independentemente de ideologias, tendências e rótulos. Este é seu maior legado intelectual numa cultura como a nossa, ainda tão marcada por ideologias, grupos e patrulhas.
O que ficará da obra de Paulo Leminski?
A obra dele é pequena e incisiva. Sua poesia já evidenciou que permanecerá. Com altos e baixos, sim, como também em Machado ou qualquer outro. O Polaco deve ser o poeta mais lido – e memorizado – hoje no Brasil. A glória máxima de um poeta é incorporar versos ou expressões à língua, como pedra no caminho ou passar em brancas nuvens. Muitos poemas dele ecoam na fala cotidiana dos brasileiros. Seus ensaios e biografias permanecerão como expressões dessa “unicalidade”, assim como Catatau continuará a encantar enquanto existir gente apaixonada por arte experimental.
“Sei que você é um dos que ele considerava amigo, embora, entre esses, três já mostraram que ele estava enganado. Lendo seu livro percebo que, nas entrelinhas, você está à beira de se unir a eles”, escreveu Alice Ruiz em e-mail a Pellegrini, publicado em Minhas lembranças...
A Câmara dos Deputados aprovou o projeto que permite a publicação de biografias de personalidades públicas sem necessidade de autorização do biografado ou de seus descendentes. Confiante, Pellegrini mandou a biografia para as prateleiras. “Como as novas regras só faltam passar pelo Senado, que juiz concederia um embargo? Ele ficaria conhecido como o último censor da República junto das herdeiras”, afirma.
Lançado inicialmente na internet, o livro ganha nova edição que coincide com os 25 anos da morte de Leminski (1944-1989) por complicações causadas pelo consumo de álcool. Identificado no texto como Pé Vermelho, o autor conta que o convite do editor Samuel Ramos para escrever sobre o amigo veio em 2013. Alice Ruiz e as filhas supervisionariam o trabalho, aprovado por elas.
À medida que os capítulos ficavam prontos, eles eram enviados às herdeiras, mas a resposta delas nunca chegava, conta o autor. “Comecei convidado para escrever um livro e me saiu outro. Não escreveria uma biografia chapa branca. Fui juntando cacos para formar uma história fora do óbvio, como Leminski gostaria, uma polca de retalhos costurados por um conivente”, explica Pellegrini.
Pé Vermelho surge na terceira pessoa, enquanto o poeta se manifesta na primeira. Os últimos dias dele são narrados com intensidade: “E, finalmente, o último golpe líquido que me liquidou foi a hemorragia esofágica (...) Vi, sim, o jorro vermelho ir bater lá na parede, tanto sangue que deixava claro não ter importância saber se era venal ou arterial (...) E, entre tantos líquidos, o coração é quem decidiu a parada, parando de bater. Liquidou-se-me”.
A réplica de Alice Ruiz veio por e-mail. “A ênfase ao álcool, sua leitura de uma ‘precariedade’ de bens em nossa casa (você nunca ouvir falar em contracultura?), as observações exageradas sobre ‘falta de banho’, que corresponde a um período de maiores excessos (...) Enfim, tudo isso serve para criar uma imagem bem negativa do Paulo em contraponto à sua, que aparece como o interlocutor por excelência e cheio de qualidades que supostamente ‘faltavam’ a ele”, desaprovou a viúva.
TRÊS PERGUNTAS PARA..
. Domingos Pellegrini
. Escritor
Como foi escrever a biografia de Leminski, mesmo sabendo que poderia melindrar a família do poeta?
Fui convidado pelas herdeiras e fiquei honrado. Li O bandido que sabia latim, de Toninho Vaz, e vi que ele já tem ali uma boa biografia, aliás, sugerida pela viúva, que agora a rejeita, o que é mais uma evidência de que biografias não podem ficar à mercê de biografados e herdeiros. Então, escrevi um livro que mistura um pouco de biografia com minhas lembranças dele. É um livro amoroso e criativo, como ele gostaria, e me sinto orgulhoso. Se a família não gostar, pode pedir correções, que agora, com a nova legislação, serão julgadas rapidamente por um juiz. Nossa democracia avançou em liberdade e responsabilidade.
Qual é a visão que você tem do poeta?
Ele cultivou sua lenda pessoal conscientemente, basta olhar suas expressões nas fotos, plantando-se como ídolo pop, embalado por uma aura cult com tempero erudito – mistura única na cultura brasileira. Aliás, invento o termo “unicabilidade” para defini-lo, pois tinha linguagem e visão de mundo únicas, independentemente de ideologias, tendências e rótulos. Este é seu maior legado intelectual numa cultura como a nossa, ainda tão marcada por ideologias, grupos e patrulhas.
O que ficará da obra de Paulo Leminski?
A obra dele é pequena e incisiva. Sua poesia já evidenciou que permanecerá. Com altos e baixos, sim, como também em Machado ou qualquer outro. O Polaco deve ser o poeta mais lido – e memorizado – hoje no Brasil. A glória máxima de um poeta é incorporar versos ou expressões à língua, como pedra no caminho ou passar em brancas nuvens. Muitos poemas dele ecoam na fala cotidiana dos brasileiros. Seus ensaios e biografias permanecerão como expressões dessa “unicalidade”, assim como Catatau continuará a encantar enquanto existir gente apaixonada por arte experimental.
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