Lincoln DAquino Filocre
Procurador do Estado de Minas Gerais, diretor do Instituto Brasileiro de Direito e Política de Segurança Pública (Idesp-Brasil)
Estado de Minas: 20/05/2014
O primeiro parágrafo de um artigo intitulado “Os Gargalos da Segurança Pública – Para especialistas, próximo presidente terá que combater impunidade e aumentar investimentos em inteligência”, publicado em revista de circulação nacional em agosto de 2010, dizia: “O governo federal mantém certa distância do tema segurança pública no Brasil, uma vez que, por determinação constitucional, o controle das polícias militar e civil fica a cargo dos estados. Contudo, especialistas afirmam que caberá ao próximo presidente eleito combater ao menos dois gargalos que colocam o país entre os países mais violentos do planeta: impunidade e baixo investimento em inteligência”.
O texto desperta a atenção por pelo menos dois motivos. O primeiro, em razão do fato de, passados quatro anos, parecer que nada mudou, salvo o agravamento do caos da criminalidade no país: o próximo presidente terá de combater a impunidade e investir em inteligência. O segundo motivo está em perceber que a interpretação dada ao artigo 144 da Constituição Federal (CF) continua equivocada, como de resto também equivocada a compreensão de segurança pública no âmbito do texto constitucional.
Resultado da visão jurídica deturpada, entre vários outros, um grave problema persiste: o governo federal continua a se eximir de responsabilidades na segurança pública. Há quem diga que a interpretação ora criticada é proposital umavez que atenderia a interesse político de não comprometimento. Nosso conhecimento é jurídico, não político. Vamos a ele. De forma simplificada, e reiterando o que já afirmei em livro e artigos desde 2009, o art. 144 da CF simplesmente afirma que, quanto à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, os órgãos competentes para o exercício da segurança pública são aqueles listados no preceito constitucional. Entre esses órgãos, as polícias civis e militares, estando ambas, ao teor do parágrafo 6º, ainda do art. 144, subordinadas aos governadores estaduais. Ponto.
Entre outras, as perguntas que surgem estão: quem disse que segurança pública se resume ao exercício da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e bens? Quem disse que a União e, portanto, o governo federal, pode manter-se distante do tema segurança pública? Segurança pública vai muito além de preservação da ordem e da incolumidade de pessoas e bens. Noutras palavras, segurança pública vai muito além de polícia. Tanto isso é verdade que agora são percebidos os efeitos drásticos das festejadas UPPs, modelo de segurança pública equivocadamente baseado em policiamento ou ocupação territorial policial. Não se pode pensar em políticas de segurança pública sem pensar em políticas de educação especificamente voltadas a efetivas e duradouras reduções de índices de criminalidade, por exemplo.
Dizem alguns que a União não pode agir na segurança pública por falta de previsão constitucional. Quem disse que não há previsão constitucional? O artigo 5º declara expressamente que a segurança deve ser garantida a todos; o art. 6º considera a segurança um direito social, e, ainda assim, a União não pode atuar na segurança pública? Os artigos referidos constituem verdadeira cláusula geral, que muito mais que autorizar, obrigam a União a mover-se na segurança pública naquilo que não seja, óbvio, de competência dos Estados – art. 144. Aliás, vale lembrar que compete expressamente à União elaborar e executar planos nacionais e regionais de desenvolvimento social (inciso IX do art. 21 da CF).
Se segurança é um direito social, então, segurança está alcançada pelo art. 21 e, consequentemente, compete ao governo federal exercer a sua competência constitucional. Simples assim. Em síntese, segurança pública não se restringe a atuação policial e, assim, não é de competência exclusiva dos estados. Soma-se a isso que a Constituição Federal, mais que admitir, obriga a União a agir no campo da segurança pública. É seu dever.
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