Lilian Monteiro
Estado de Minas: 02/06/2014
Os vírus são seres ultramicroscópicos, de algumas dezenas de nanômetros (nm/unidade de medida), bem pequenos. Existe um grupo especial, chamado de Gulliver dos vírus, que são os gigantes, conhecidos como Mimi, que chegam a medir 700nm. Para ter ideia, o da dengue, bem conhecido, tem 50nm em média. A descoberta dos gigantes é importante não só pelo tamanho, mas pela gama de informação no genoma. Professor-adjunto do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG) e coordenador do grupo responsável pela pesquisa, Jônatas Abrahão, um dos autores do estudo, conta que os primeiros vírus gigantes foram descobertos na década de 1990, na Inglaterra. Eles foram isolados dentro de uma ameba e caracterizados como bactéria Coccus bradford. No entanto, ninguém conseguia cultivar essas “bactérias”.
“Foi aí que os pesquisadores levaram o material para um laboratório especializado em bactérias que vivem dentro de amebas em Marselha, na França. Esses parceiros tiveram a ideia de usar a microscopia eletrônica (amplia milhares de vezes) e perceberam que se tratava de um vírus com dimensões e complexidade que ninguém conhecia.” A demora nessa descoberta, explica Jônatas, é que os vírus são agentes filtráveis e na hora desse processo, os gigantes simplesmente não passavam.
Descobriu-se assim o primeiro vírus gigante do mundo. O Mimi foi isolado na França em 2003. A partir daí, enfatiza Jônatas, vários grupos passaram a pesquisar. No Brasil, ele afirma que a equipe do Laboratório de Vírus da UFMG é o primeiro e único grupo a pesquisar o vírus gigante, sendo referência. O professor, que trabalha com caracterização biológica e genômica de vírus gigantes, começou com seus alunos a pesquisa em 2011. Ele explica que decidiram iniciar a procura na Amazônia “por ser um ambiente símbolo da diversidade brasileira e pelo fato de poucas pesquisas sobre vírus serem realizadas lá”. No processo, o professor explica que foram coletadas aproximadamente 50 amostras de água do Rio Negro. “O vírus gigante está em qualquer lugar e onde tem ameba (em teoria), ele viverá. O Rio Negro foi escolhido por ser especial ao receber matéria orgânica da floresta e ter um pH com acidez alta. Em 2011, trouxemos as amostras e o aluno Rafael Campos, primeiro autor do artigo, isolou o vírus, caracterizado como o primeiro gigante de origem brasileira”, explica Jônatas.
O professor conta que a pesquisa durou dois anos e, assim, nasceu o Samba, maior vírus isolado no Brasil, que também teve a colaboração dos pesquisadores franceses de Marselha. Os parceiros, aliás, que sugeriram o nome. “Sequenciamos o genoma completo do vírus, o seu ‘DNA’, que nos informa o quão autônomo ele é em relação à ameba. Ele tem genes que são únicos e 50 mil pares de base a mais que o Mimi, sugerindo uma maior quantidade de proteínas que ele pode codificar.”
Outra descoberta de enorme importância, que abre vastos caminhos no universo dos seres microscópicos, foi a existência do virófago (vírus que infecta outro vírus), que também foi isolado e vive como partículas do vírus gigante dentro da ameba. Os virófagos reduzem a multiplicação do vírus gigante. “É o primeiro virófago isolado nas Américas.” O virófago precisa do vírus gigante para se multiplicar (viver) e o vírus gigante depende da ameba. “Só que a ameba estaria em apuros se existisse só o vírus gigante. Então, o virófago “auxilia” a sobrevida da ameba, já que sem ameba ninguém viveria.” Ou seja, é um ciclo, em que ameba, vírus gigante e virófago dependem um do outro para existirem.
PNEUMONIA A importância da descoberta do Samba é apontada em duas linhas pelo professor Jônatas. “Primeiro, para mostrar a diversidade e a riqueza de espécies microbiológicas da Amazônia. E, em segundo lugar, o fato de o vírus gigante estar associado com casos de pneumonia em seres humanos.” Mas ele enfatiza que tais resultados “estão em estudo e não são conclusivos. No entanto, há fortes evidências.” Ele lembra que 50% dos casos de pneumonia não têm agente etiológico descrito. “Não acredito que os vírus gigantes sejam agentes epidêmicos da pneumonia, mas podem fazer parte de um percentual.”
Jônatas Abrahão destaca ainda que os Mimi (os vírus gigantes) foram encontrados em animais, como os macacos e bovinos na região da Amazônia. “E já foi demonstrado que o Samba e o Mimi se multiplicaram em algumas células do ser humano.”
Depois da descoberta do Samba, Jônatas revela que há pesquisas atrás de vírus gigantes em diversos biomas do Brasil. Ele cita o Pantanal, lagoas urbanas, cerrado, mata atlântica e caatinga, que são ambientes com características bem diferentes um do outro. “Já foram isolados mais de 30 vírus gigantes. Tem o Niemeyer, da Lagoa da Pampulha, o Kroon, de Lagoa Santa, e o Cipó, da Serra do Cipó. Todos em processo de análise e estudo”, revela.
Agora, conforme Jônatas, é preciso buscar entender a relação do vírus gigante com os vertebrados, como os seres humanos e os outros animais. “Temos uma aluna de mestrado que conseguiu demonstrar que os mimivírus são capazes de controlar alguns elementos do sistema imunológico humano; e no Hospital das Clínicas da UFMG, nosso parceiro, estamos estudando os fatores de risco dos vírus gigantes no ambiente hospitalar.”
A descrição da descoberta do vírus Samba foi publicada em artigo científico no periódico internacional Virology Journal com o nome Samba virus: a novel mimivirus from a giant rain forest, the Brazilian Amazon, de autoria dos cientistas Rafael K. Campos, Paulo V. Boratto, Felipe L. Assis, Eric Aguiar, Lorena C.F. Silva, Jonas D. Albarnaz, Fabio P. Dornas, Giliane S. Trindade, Paulo P. Ferreira, João T. Marques, Catherine Robert, Didier Raoult, Erna G. Kroon, Bernard La Scola e Jônatas S. Abrahão. O documento pode ser acessado pelo site: www.virologyj.com.
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