A um mergulho da extinção
Equipe de biólogos acompanha o nascimento de 13 filhotes de pato-mergulhão na Serra
da Canastra, em Minas Gerais e encaminha para cativeiro um que se separou da família
Augusto Pio
Estado de Minas: 23/08/2014
A família desliza sobre as águas: eles precisam que ela sejam limpas, com corredeiras |
Os especialistas avaliaram as condições de sobrevivência do filhote na natureza e decidiram encaminhá-lo para o cativeiro, onde teria maior chance de sobreviver. Levada para o Zooparque Itatiba, em Itatiba (SP), conforme estabelecido pelo grupo de criação em cativeiro do Plano de Ação para a Conservação da espécie, a ave está se desenvolvendo bem, ganhando peso e sendo acompanhada de perto por profissionais. Essa é a segunda vez que um indivíduo da espécie será criado fora do seu ambiente natural. Em 2011, um casal de patos-mergulhões nasceu em cativeiro na cidade mineira de Poços de Caldas. Com o apoio do Terra Brasilis e autorização do ICMBio, os ovos foram coletados na Serra da Canastra e levados para uma incubadora artificial. O nascimento de filhotes em cativeiro nunca havia sido registrado em todo o mundo.
Lívia Lins, bióloga coordenadora do Programa Pato-mergulhão, conta que o Instituto Terra Brasilis, criado em 1998 e presidido por Sônia Rigueira, tem uma base de campo na cidade de São Roque de Minas, na Serra da Canastra, que abriga a equipe de pesquisadores. Como parte dos estudos biológicos sobre o pato-mergulhão, durante todo o ano, os pesquisadores fazem o monitoramento da espécie nos rios da região, visando conhecer seus hábitos e localizar novos territórios em diferentes rios. No período da reprodução da ave, a equipe se dedica à busca e ao monitoramento de ninhos. “Como o pato-mergulhão usa cavidades nas margens dos rios para fazer seu ninho, muitas vezes em locais de difícil acesso, para a sua localização é feito um intenso levantamento ao longo dos rios, que são percorridos em parte a pé, em parte com o uso de caiaque.”
NINHOS A bióloga ressalta que o monitoramento biológico do pato-mergulhão é realizado no período reprodutivo, para localizar os ninhos em atividade e para acompanhar o nascimento de filhotes, além do comportamento da família, com o objetivo de levantar todas as informações possíveis sobre a biologia da espécie. “Todo o estudo biológico da espécie é realizado para subsidiar ações de conservação e manejo, como a reintrodução de indivíduos em locais de onde eles tenham desaparecido, instalação de ninhos artificiais, localização de novas populações, entre outras ações que contribuam para reverter o grave quadro de ameaça dessa espécie.”
Lívia lembra que, atualmente, a espécie só é encontrada no Brasil, nas regiões da Serra da Canastra, onde se localiza a sua maior população, Chapada dos Veadeiros (GO) e no Jalapão (TO). “Historicamente, há registros também no Paraguai e na Argentina, porém, não se tem notícia recente de sua ocorrência nesses países. É uma espécie considerada criticamente ameaçada de extinção, uma das 10 aves aquáticas mais ameaçadas do mundo, e sua população global é estimada em apenas 250 indivíduos. O pato-mergulhão depende de águas limpas e transparentes, com corredeiras e vegetação nas margens, e com abundância de peixes, seu principal alimento. Ele captura os peixes ao mergulhar (daí o seu nome), utilizando a visão para tal. Por isso, é grandemente afetado pela degradação das águas.”
Além de sua extrema raridade, o pato-mergulhão vive sempre a dois, e cada casal ocupa um trecho de até 15 quilômetros de rio, o que faz com que sejam difíceis de ser encontrados. “Até 2001, quando se iniciou o trabalho do Terra Brasilis, quase nada se conhecia sobre a biologia da espécie, especialmente sobre o período reprodutivo. Só havia registro de um ninho, da década de 1950, na Argentina. Somente meio século depois, em 2002, a equipe do Terra Brasilis localizou o segundo ninho da espécie, na Região da Serra da Canastra”, conta Lívia.
Um lar para o filhote
O monitoramento biológico realizado pelo Instituto Terra Brasilis em 13 anos de estudo permitiu a localização de 15 ninhos do pato-mergulhão, que foram monitorados pela equipe, possibilitando conhecer melhor o comportamento reprodutivo da espécie: desde a postura, de até oito ovos por ninhada, a incubação, que é feita só pela fêmea, até a saída dos filhotes do ninho. “Os filhotes acompanham os pais até alcançarem o tamanho de adultos, o que ocorre por volta dos 8 meses, quando se dispersam. Em geral, há grande perda de filhotes quando ainda pequenos”, lamenta a bióloga.
Não foi a primeira vez que a equipe teve a oportunidade de encontrar um filhote separado da família. “Mas esta foi a primeira vez que foi possível avaliar a condição do filhote e considerar que sua chance de sobrevivência na natureza era mínima, e que, portanto, a única saída seria encaminhá-lo ao programa de cativeiro. O filhote está se desenvolvendo bem, crescendo e se alimentando adequadamente. Esse filhote faz parte do programa de cativeiro do pato-mergulhão, coordenado pelo ICMBio do Ministério do Meio Ambiente e foi criado com o objetivo de, futuramente, reintroduzir a espécie em locais onde ela tenha desaparecido, contribuindo, assim, para diminuir seu grau de ameaça. O Zooparque de Itatiba e o Criadouro Poços de Caldas são as instituições que fazem parte do programa.”
AÇÕES Lívia conta que, em 2011, um casal de patos-mergulhões nasceu em cativeiro na cidade mineira de Poços de Caldas. “Essa foi a primeira vez que isso ocorreu. Esse casal é proveniente de três ovos coletados pela equipe do Terra Brasilis na Serra da Canastra, com autorização do ICMBio, especialmente para iniciar o programa de cativeiro do animal. Atualmente, além desse casal em Poços de Caldas, há o filhote encaminhado ao Zooparque de Itatiba.
A bióloga esclarece que o pato-mergulhão é uma espécie naturalmente rara, por depender de um hábitat muito específico e com baixa densidade. “Mas, com certeza, a ação do homem, por meio da degradação das águas e do ambiente do qual o pato-mergulhão depende, foi o que levou a esse alto grau de ameaça.” Ela ressalta que o Programa Pato-mergulhão inclui uma série de ações que estão sendo implementadas. “Além do estudo biológico da espécie, atividades de educação ambiental com a comunidade escolar e produtores rurais e ações para recuperação de áreas degradadas são parte importante do programa. Novas ações vão surgindo, à medida que novos conhecimentos são gerados.”
Além de Lívia Lins, também estão envolvidos no projeto Flávia Ribeiro, Edmar Reis e Wellington Viana, biólogos de campo, e Jéssica Reis, bióloga e educadora ambiental.
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