Zero Hora 17/09/2014
Outro dia, o Fábio Prikladnicki escreveu um artigo interessante sobre
essa mania de aplaudir de pé qualquer apresentação teatral, seja ela
excelente, razoável ou uma porcaria. É de fato constrangedor prestar
reverência a um artista apenas por hábito, mas felizmente não foi o que
aconteceu sábado passado no Theatro São Pedro, quando o ator Ricardo
Blat foi tão magnífico em Homens, Santos e Desertores, que até uma múmia
daria um jeito de levantar ao final.
Foi aplaudido com vigor, confirmando que, na televisão, atores
coadjuvantes ficam presos a uma jaula com poucos recursos, mas no palco
ganham uma liberdade de atuação que os torna comparáveis aos grandes. Só
achei a peça curta: uns 15 minutos a mais poderiam aumentar a
consistência do conflito mostrado no palco. Mas o que importa é que o
desempenho foi hipnótico e os aplausos em pé se justificaram – reação
espontânea e agradecida da plateia.
O texto é de Mario Bortolotto, um dos nomes em evidência na nova
dramaturgia brasileira. Na peça, ele coloca em cena a inadequação
social, a dificuldade de se integrar e a solidão como rota de fuga – há
muitos desertores por aí. Pode-se desertar de uma forma convencional
(colocar o pé na estrada) ou trágica (o suicídio). E, como desertores
não costumam olhar para trás e avaliar os estragos causados, cabe
àqueles que ficam administrar o abandono.
“Ninguém nunca tem culpa sozinho.” Essa é uma frase que pincei da
peça e que pode confortar ou incomodar, depende: a quem atribuímos a tal
culpa? Quando a culpa parece ser apenas dos outros, daqueles que não
nos aceitam como somos, que vivem à revelia das nossas vontades, vale
perguntar: por que colocamos nas mãos deles o que é responsabilidade
nossa? As outras pessoas não vieram ao mundo para nos bajular, para nos
mimar.
Elas têm suas próprias necessidades, suas próprias carências. Não
são agressores conscientes, apenas estão tocando a vida da forma que
acham que devem. Serão os únicos culpados pela nossa infelicidade? Nós é
que devemos encontrar um jeito de não sermos tão dependentes do olhar
alheio.
Por outro lado, se assumimos sozinhos a culpa pela nossa
incompetência diante da vida, pela nossa dificuldade em lidar com os
desafios, por não conseguirmos manter laços afetivos, também é um
exagero. O egoísmo do mundo tem crescido, as pessoas andam
desinteressadas em manter vínculos, temos sido jogados às feras mesmo.
Os outros contribuem para nossa dor, sem dúvida.
Do que se conclui: tudo o que nos acontece tem vários “pais” e
“mães”. Ao reconhecermos isso, fica mais democrática a distribuição de
responsabilidades e o impulso de fugir diminui. Desertar é uma tentativa
de escapar da culpa, mas raçudo mesmo é aquele que fica e a reparte – e
toca a vida sem abandonar ninguém.
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