Zero Hora - 21/09/2014
Uma pesquisa revelou que 61% dos eleitores rejeitam a obrigatoriedade do
voto. A desilusão com a política é apontada como um dos motivos. Sendo o
voto um instrumento de transformação, eu jamais abriria mão dele, mesmo
que fosse opcional, mas concordo: quem dera todos votassem por
consciência em vez de fazerem uni-duni-tê em frente à urna apenas por
dever cívico. Obrigação é uma palavra que me arrepia. Desde garota.
Passei a infância desejando crescer porque intuía que a espontaneidade
vivia no lado maduro da existência.
Sei que cada criança processa os ensinamentos que recebe através de
um código muito particular, mas o fato é que eu me sentia numa camisa de
força. Horário de ir para cama, ter que raspar o prato mesmo estando
sem fome, a televisão racionada, o dever de só tirar notas boas.
Obrigações que resultaram numa mulher responsável e bem-criada, ao
contrário de tantas outras crianças que fazem o que bem entendem e viram
adultos mimados e despreparados para lidar com frustrações. Só que, aos
oito anos de idade, eu não sabia nada sobre pedagogia. A teoria sobre
criação de filhos não fazia parte do meu repertório. Eu só sabia das
minhas vontades. Eu queria ser livre porque me parecia o único jeito de
ser honesta com meus sentimentos e pensamentos.
Não queria fazer nada por obrigação. Nem comer, nem dormir, nem ser
feliz por obrigação. Considerava uma violência quando, ao perguntar aos
adultos “por que desse jeito?”, ouvia como resposta “porque sim e
pronto” ou “porque é assim que tem que ser”.
Obedecia militarmente “a hora certa” de fazer as coisas como se
houvesse um relógio universal regendo uma orquestra de bons moços a
serviço do andamento do espetáculo. Não que me fosse custoso cumprir. Só
era custoso entender.
Pior do que me comportar como “todo mundo” era viver uma afetividade
também regida por regras. Não parecia que as pessoas se encontravam por
saudades, por afinidades ou para repartir calor humano. Parecia
obrigação também. A obrigação das datas festivas. A obrigação dos
domingos. A obrigação dos parentescos.
Ai de mim se gostasse mais de uma avó do que de outra. Ou se não
quisesse sair do quarto para jantar. Ou se me recusasse a ir à missa. Ao
colégio eu sabia que tinha que ir, não questionava. Só questionava o
que me parecia facultativo.
Apesar dos meus “facultativos” não baterem com os dos meus pais,
optei por não dar trabalho, segui a cartilha da boa menina. Fiz minha
parte e eles a deles – benfeita, diga-se, ou não seria quem sou.
Mas quem eu sou mesmo? Cumpridora, pontual, educada, porém, hoje,
profundamente intolerante a tudo o que não for espontâneo, ao teatro das
convenções, às blindagens contra a intimidade, ao que serve apenas para
manter a orquestra tocando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário