quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O delicado avanço da retirada das mamas‏

O delicado avanço da retirada das mamas Cientistas alertam que a escolha pela mastectomia bilateral para o tratamento do câncer pulou de 2% para 12,3% em 13 anos. Segundo eles, o procedimento não é mais eficaz que intervenções tradicionais
Bruna Sensêve
Estado de Minas: 04/09/2014


O procedimento é radical e irreversível, mas muitas mulheres diagnosticadas com câncer de mama optam por ele. A mastectomia bilateral é o nome técnico dado à remoção do tecido mamário de ambos os seios, procedimento mais agressivo que outras opções de tratamento e prevenção ao avanço do tumor. De acordo com dados de um estudo divulgado ontem, em 2011, 12% das pacientes que tinham recebido há pouco tempo o diagnóstico da doença optaram pela mastectomia bilateral, apesar da falta de certeza de que a abordagem era a melhor alternativa. Isso porque a estratégia realmente não está associada a um menor risco de morte se comparada à cirurgia conservadora da mama aliada à terapia com radiação.

Ensaios clínicos randomizados têm demonstrado sobrevida semelhante para pacientes com estágio inicial de câncer de mama tratados com a cirurgia tradicional (a lumpectomia) e a radioterapia ou com a mastectomia. No artigo publicado na revista científica Journal of the American Medical Association (Jama), os pesquisadores do Centro Médico da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, destacam que, em uma época de crescente preocupação com o excesso de tratamento, a relação risco/benefício da mastectomia bilateral deve ser considerada cuidadosamente, pois levanta uma questão maior de como os médicos e a sociedade devem responder à preferência da paciente por uma intervenção mórbida, onerosa e de eficácia duvidosa.

As conclusões dos cientistas correspondem à análise de cerca de 190 mil mulheres da Califórnia diagnosticadas com o câncer de mama entre 1998 e 2011. Allison Kurian, autora principal do estudo, buscou respostas nesse campo devido à quantidade de atenção voltada para a mastectomia bilateral e à dificuldade de saber quais são as reais taxas de mortalidade entre os procedimentos. Esse é o primeiro estudo a comparar diretamente as taxas de sobrevivência após a lumpectomia, a mastectomia unilateral e a bilateral (veja infografia).

Eles descobriram que a realização da mastectomia bilateral aumentou de 2% em 1998 para 12,3% em 2011. O crescimento mais significativo desse procedimento ocorreu entre mulheres com menos de 40 anos: de 3,6% para 33%. Em comparação ao tratamento com a cirurgia conservadora da mama e a radiação, a mastectomia bilateral não foi associada com uma diferença de mortalidade. Porém, o estudo revelou uma taxa de sobrevivência ligeiramente menor entre as mulheres que se submeteram à mastectomia unilateral.

“Agora, podemos dizer que a média dos pacientes de câncer de mama que fizeram mastectomia bilateral não terá melhor sobrevida do que a média dos submetidos à lumpectomia mais radiação”, garante Allisson Kurian. A cientista complementa ressaltando que a mastectomia é um procedimento que pode exigir um tempo de recuperação significativo e implicar reconstrução da mama. “A lumpectomia é muito menos invasiva, com um período de recuperação mais curto”, compara

Escolha estética Na opinião de José Luis Esteves Francisco, presidente da Comissão de Imaginologia da Sociedade Brasileira de Mastologia, o motivo para o aumento das mastectomias bilaterais pode ter origem em questões estéticas mais que na prevenção ao reaparecimento da doença. Quando o procedimento é realizado em uma mama, ela tende a ficar com o aspecto muito diferente da outra. O seio operado fica assimétrico.

Então, muitas pacientes preferem fazer a cirurgia de remoção e reconstrução também na mama não doente. Alguns métodos de reconstrução mais recentes conseguem uma melhor simetria quando ambos os seios são reconstituídos ao mesmo tempo. “Em termos de sobrevida, essa cirurgia funciona muito pouco. Vai ser mais relevante para o prognóstico de mulheres mais novas, com menos de 50 anos”, completa Francisco.

A remoção de ambas as mamas também pode aliviar o medo em torno da ocorrência de um segundo câncer de mama. “Estamos esperançosos de que esse estudo vai abrir um diálogo entre o paciente e seu médico para discutir esse tipo de pergunta”, acredita a peqsuisadora Alisson Kurian. “É uma prova importante que pode orientar esse processo de tomada de decisão.”

Prevenção cirúrgica Alisson enfatiza que os resultados do estudo não significam que as mulheres com mutações em genes conhecidos por aumentar significativamente o risco de desenvolver câncer de mama ou com um forte histórico familiar da doença não devem fazer a mastectomia bilateral. A predisposição genética pode significar que a remoção de ambos os seios é uma opção eficaz.

Presidente da Comissão de Mastologia da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Afonso Celso Pinto Nazário lembra que o famoso caso da atriz Angelina Jolie envolve uma outra condição, muito diferente da mastectomia quando já existe o diagnóstico da doença. “Outra coisa é a mastectomia profilática, que sempre é bilateral. A pessoa tem uma mutação genética ou uma lesão que confere a ela um alto risco de câncer de mama e opta por retirá-las sadias profilaticamente.”

Nazário explica que existem outras opções de prevenção para mulheres que tiveram a doença e temem a reincidência ou o surgimento de um novo tumor, como a quimioterapia e a hormonoterapia. A primeira, além de estar envolvida com o tratamento, também age de maneira preventiva. “Cerca de 70% a 80% dos cânceres mamários são sensíveis aos hormônios, e é fornecida uma medicação anti-hormonal, que, além de tratar o tumor, cuida da prevenção da mama oposta.” O especialista ressalta ainda que o câncer nas duas mamas é muito raro.

Precaução proporcional

A atriz Angelina Jolie anunciou, em maio do ano passado, que removeu cirurgicamente as duas mamas devido ao alto risco (87%) de desenvolvimento de cânceres, identificado após exame genético. No procedimento a que ela foi submetida, a redução das chance de surgimento da doença é diretamente proporcional à quantidade de tecido retirado. Por isso, o mais indicado é a remoção de 90% a 95%. Quanto maior o risco, maior tende a ser a intervenção preventiva.

Palavra de especialista
Lisa A. Newman, da Universidade
de Michigan, em Ann Arbor
Orientações
devem ser precisas
“A necessidade de que os pacientes sejam informados com precisão sobre as opções de tratamento oncológico seguras e aceitáveis é indiscutível. A névoa densa de emoções complexas que acompanha um novo diagnóstico de câncer pode prejudicar a capacidade de processar essa informação. Os pacientes devem ser encorajados a permitir que a intensidade dessas reações imediatas diminua antes de cometer a mastectomia prematuramente. Os médicos não devem permitir atraso excessivo no tratamento a ponto que comprometa os resultados, mas as primeiras semanas que cercam o diagnóstico são mais efetivamente utilizadas com o investimento do tempo em educação do paciente e em procedimentos que contribuam para o planejamento abrangente do tratamento, em oposição a apressadamente coordenar planos cirúrgicos impulsivos, irreversíveis.” 

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