Pesquisa encontra evidências de que filhotes de mosquitos herdam características de machos com os quais a mãe copulou no passado
Roberta Machado
Estado de Minas: 29/10/2014
Em um estudo feito
com mosquitos, cientistas australianos apontaram que filhotes podem
carregar características de antigos parceiros sexuais da mãe, ainda que
eles não tenham qualquer laço familiar. Essa forma de hereditariedade
não genética, conhecida por telegonia, foi proposta pela primeira vez na
Grécia antiga, depois esquecida e, agora, surge a primeira evidência de
que a teoria pode estar correta.
“Geneticistas do século 20 rejeitaram muitas ideias e dados que eram considerados incompatíveis com as leis mendelianas, principalmente porque eles acreditavam que deveria haver um único mecanismo de hereditariedade, que era obviamente a transmissão mendeliana de genes”, ressalta Russell Bonduriansky, professor da Universidade de Nova Gales do Sul e um dos autores do estudo, publicado no periódico Ecology Letters.
O grupo de cientistas decidiu testar a velha teoria depois de pesquisar outra ideia abandonada pela ciência: a herança de traços adquiridos. Eles demonstraram que a dieta do mosquito Telostylinus angusticollis influencia não só o tamanho do macho na idade adulta, mas também o porte de sua prole. Os australianos resolveram, então, descobrir se o mesmo processo ocorria independentemente da fecundação do ovo. “Nós agora sabemos que há vários mecanismos de hereditariedade operando paralelamente, então precisamos revisitar várias ideias”, acredita Bonduriansky.
Os pesquisadores cultivaram um grupo de insetos normais e outro que recebeu doses extras de nutriente para ficar maior (veja infografia). As duas variações dos bichos foram colocadas para acasalar com fêmeas que ainda eram muito jovens para produzir ovos e, portanto, não podiam ser fecundadas. Algumas semanas depois, quando elas já estavam férteis, o experimento foi repetido com diferentes tipos de parceiros. As fêmeas que haviam acasalado com mosquitos maiores quando jovens foram colocadas com insetos menores, e as que tinham estado com os espécimes de tamanho normal foram emparelhadas com os machos mais crescidos.
Ao examinarem os filhotes que nasceram do experimento, os pesquisadores descobriram que o tamanho da prole era determinado pelo primeiro macho que havia acasalado com a fêmea, e não pelo inseto que de fato a fecundou.
Os cientistas australianos acreditam que, embora os primeiros machos não tenham transmitido seus genes para os filhotes, os ovos imaturos da fêmea absorveram substâncias presentes no líquido seminal, que poderiam ter influenciado no crescimento da prole. Apenas 5% do conteúdo ejaculado pelos machos é constituído de esperma. Sabe-se que há componentes, por exemplo, que fazem a fêmea colocar mais ovos, mas os cientistas ainda não conhecem todas as propriedades desse material, nem como ele pode afetar os filhotes.
EXCLUSIVO Os autores do estudo não sabem dizer se a transmissão não genética de características é exclusividade dos mosquitos. Já existem evidências, por exemplo, de que a alimentação de um homem ou o uso de drogas possa afetar a saúde dos seus filhos e netos. Mas especialistas afirmam que esse processo é exclusivo de pais para filhos.
De acordo com o especialista em embriologia Wellerson Rodrigo Scarano, o sistema reprodutivo humano não permite a transmissão de características de um indivíduo a um filho de outra pessoa. “O sêmen humano vai sofrendo uma degradação durante o trajeto que o espermatozoide faz até o sítio de fecundação, que é a tuba uterina. Dessa forma, o meio para a movimentação do espermatozoide no trato genital feminino vai sendo substituído por secreções do próprio sistema genital da mulher”, ensina Wellerson, que é professor de embriologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Diferentemente dos mosquitos, as mulheres também só liberam um ovócito a cada mês, mantendo as células imaturas dentro dos ovários, protegidas de qualquer substância que chegue ao trato genital feminino. No caso dos insetos, as fêmeas levam ovos maduros e imaturos ao mesmo tempo, o que permitiria a influência não paterna em qualquer fase reprodutiva dos bichos.
Questionado sobre a controvérsia de resgatar uma teoria desacreditada há mais de 100 anos, Russell Bonduriansky descreveu os resultados como “bastante convincentes”. Mas alguns especialistas ainda têm ressalvas sobre a teoria de transmissão de características não genéticas. “Temos uma máxima em ciência de que afirmações sensacionais demandam dados sensacionais. Nesse caso, eu acho que ainda há mais a ser feito, mas a pesquisa tem potencial”, diz Reinaldo de Brito, professor de genética de populações da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e membro da Sociedade Brasileira de Genética (SBG).
Brito ressalta que os mosquitos contam com uma espermateca, onde armazenam o material genético de diferentes machos para produzir filhotes melhores. O mecanismo de controle da fêmea, de acordo com o especialista brasileiro, pode ter alguma influência na característica da prole. “Ela pode usar marcadores para definir qual macho é bom e se vale a pena gastar energia produzindo o filho dele”, explica Brito. “Acho que o modelo é teoricamente viável, mas não acho que isso seja definitivo.”
Transmissão
Mendel foi o primeiro a descobrir um conjunto de princípios relacionados à transmissão hereditária das características de um organismo a seus filhos e que se tornaram a essência da genética clássica. Ele estudou a hibridização de plantas para observar suas diferentes linhagens e como elas variavam de acordo com as características dos seus progenitores.
Saiba mais
Casamento criticado
A teoria de que os filhos poderiam ter características de parceiros anteriores da mulher recebeu o nome de telegonia e foi mencionada pela primeira vez pelo filósofo grego Aristóteles. Em 1361, a ideia foi usada como justificativa para criticar o casamento do príncipe Edward, de Gales, com Joana de Kent, que já havia sido casada. No século 18, foram registradas supostas evidências do processo no mundo animal, de uma égua que teria gerado um cavalo listrado porque havia cruzado anteriormente com uma zebra. O caso chegou a ser investigado pelo próprio Charles Darwin. No entanto, os estudos modernos de genética no século 20 levaram pesquisadores a descartar
a ideia.
“Geneticistas do século 20 rejeitaram muitas ideias e dados que eram considerados incompatíveis com as leis mendelianas, principalmente porque eles acreditavam que deveria haver um único mecanismo de hereditariedade, que era obviamente a transmissão mendeliana de genes”, ressalta Russell Bonduriansky, professor da Universidade de Nova Gales do Sul e um dos autores do estudo, publicado no periódico Ecology Letters.
O grupo de cientistas decidiu testar a velha teoria depois de pesquisar outra ideia abandonada pela ciência: a herança de traços adquiridos. Eles demonstraram que a dieta do mosquito Telostylinus angusticollis influencia não só o tamanho do macho na idade adulta, mas também o porte de sua prole. Os australianos resolveram, então, descobrir se o mesmo processo ocorria independentemente da fecundação do ovo. “Nós agora sabemos que há vários mecanismos de hereditariedade operando paralelamente, então precisamos revisitar várias ideias”, acredita Bonduriansky.
Os pesquisadores cultivaram um grupo de insetos normais e outro que recebeu doses extras de nutriente para ficar maior (veja infografia). As duas variações dos bichos foram colocadas para acasalar com fêmeas que ainda eram muito jovens para produzir ovos e, portanto, não podiam ser fecundadas. Algumas semanas depois, quando elas já estavam férteis, o experimento foi repetido com diferentes tipos de parceiros. As fêmeas que haviam acasalado com mosquitos maiores quando jovens foram colocadas com insetos menores, e as que tinham estado com os espécimes de tamanho normal foram emparelhadas com os machos mais crescidos.
Ao examinarem os filhotes que nasceram do experimento, os pesquisadores descobriram que o tamanho da prole era determinado pelo primeiro macho que havia acasalado com a fêmea, e não pelo inseto que de fato a fecundou.
Os cientistas australianos acreditam que, embora os primeiros machos não tenham transmitido seus genes para os filhotes, os ovos imaturos da fêmea absorveram substâncias presentes no líquido seminal, que poderiam ter influenciado no crescimento da prole. Apenas 5% do conteúdo ejaculado pelos machos é constituído de esperma. Sabe-se que há componentes, por exemplo, que fazem a fêmea colocar mais ovos, mas os cientistas ainda não conhecem todas as propriedades desse material, nem como ele pode afetar os filhotes.
EXCLUSIVO Os autores do estudo não sabem dizer se a transmissão não genética de características é exclusividade dos mosquitos. Já existem evidências, por exemplo, de que a alimentação de um homem ou o uso de drogas possa afetar a saúde dos seus filhos e netos. Mas especialistas afirmam que esse processo é exclusivo de pais para filhos.
De acordo com o especialista em embriologia Wellerson Rodrigo Scarano, o sistema reprodutivo humano não permite a transmissão de características de um indivíduo a um filho de outra pessoa. “O sêmen humano vai sofrendo uma degradação durante o trajeto que o espermatozoide faz até o sítio de fecundação, que é a tuba uterina. Dessa forma, o meio para a movimentação do espermatozoide no trato genital feminino vai sendo substituído por secreções do próprio sistema genital da mulher”, ensina Wellerson, que é professor de embriologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Diferentemente dos mosquitos, as mulheres também só liberam um ovócito a cada mês, mantendo as células imaturas dentro dos ovários, protegidas de qualquer substância que chegue ao trato genital feminino. No caso dos insetos, as fêmeas levam ovos maduros e imaturos ao mesmo tempo, o que permitiria a influência não paterna em qualquer fase reprodutiva dos bichos.
Questionado sobre a controvérsia de resgatar uma teoria desacreditada há mais de 100 anos, Russell Bonduriansky descreveu os resultados como “bastante convincentes”. Mas alguns especialistas ainda têm ressalvas sobre a teoria de transmissão de características não genéticas. “Temos uma máxima em ciência de que afirmações sensacionais demandam dados sensacionais. Nesse caso, eu acho que ainda há mais a ser feito, mas a pesquisa tem potencial”, diz Reinaldo de Brito, professor de genética de populações da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e membro da Sociedade Brasileira de Genética (SBG).
Brito ressalta que os mosquitos contam com uma espermateca, onde armazenam o material genético de diferentes machos para produzir filhotes melhores. O mecanismo de controle da fêmea, de acordo com o especialista brasileiro, pode ter alguma influência na característica da prole. “Ela pode usar marcadores para definir qual macho é bom e se vale a pena gastar energia produzindo o filho dele”, explica Brito. “Acho que o modelo é teoricamente viável, mas não acho que isso seja definitivo.”
Transmissão
Mendel foi o primeiro a descobrir um conjunto de princípios relacionados à transmissão hereditária das características de um organismo a seus filhos e que se tornaram a essência da genética clássica. Ele estudou a hibridização de plantas para observar suas diferentes linhagens e como elas variavam de acordo com as características dos seus progenitores.
Saiba mais
Casamento criticado
A teoria de que os filhos poderiam ter características de parceiros anteriores da mulher recebeu o nome de telegonia e foi mencionada pela primeira vez pelo filósofo grego Aristóteles. Em 1361, a ideia foi usada como justificativa para criticar o casamento do príncipe Edward, de Gales, com Joana de Kent, que já havia sido casada. No século 18, foram registradas supostas evidências do processo no mundo animal, de uma égua que teria gerado um cavalo listrado porque havia cruzado anteriormente com uma zebra. O caso chegou a ser investigado pelo próprio Charles Darwin. No entanto, os estudos modernos de genética no século 20 levaram pesquisadores a descartar
a ideia.
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