A agressividade tem razão de ser. Um dos dois grandes partidos vai
chorar domingo à noite. Hoje, a seis dias da eleição, não se tem ideia
de quem vencerá. Nem dá para confiar nas pesquisas, depois que erraram
tanto na votação de Aécio Neves.
Suponhamos que o PT perca. Em 12 anos no poder, ele mudou de
natureza. Aprendeu a governar. Isso tem um lado bom. Em 1989, quando
esteve a um passo de vencer, o PT entrou discretamente em pânico: não
teria quadros para dirigir o país. Hoje tem. Milhares de pessoas de
esquerda aprenderam a lidar com a administração. Até poucos anos, entre
os quadros habituados à gestão pública, predominava a formação à
direita. Hoje, qualquer grande partido que ganhe uma eleição sabe
governar.
Nem PT nem PSDB sairá arrasado das eleições
Mas o partido com mais raízes no povo se afastou dos representados.
Nossa política tem uma lógica perversa: qualquer cargo no Executivo vale
mais do que a liderança no Legislativo ou no partido. Ora,
parlamentares e líderes partidários são quem faz o meio de campo com o
eleitor. Num partido popular como o PT, separar a política do poder real
e deixá-la para os coadjuvantes é perigoso. Pior do que seria no PSDB,
que sempre se concentrou na elite. É por isso que a oposição de esquerda
acusa o PT de despolitizar a sociedade.
O PT, na oposição, sofrerá mais do que pré-2002. A mídia não o
hostilizava como hoje. Não terá a simpatia da mídia, do patronato e da
classe média. Estará reduzido a governar poucos Estados. Precisará
recriar um perfil de oposição. O que talvez seja bom, para ele e para o
Brasil. A oposição que tivemos estes anos viveu mais de ódio que de
propostas.
Suponhamos que o PSDB perca. Será a quarta derrota seguida em
eleições presidenciais. Talvez, finalmente, ele descubra que não dá mais
para ter um perfil tão elitista - tão elitista que o partido nem
percebe a dimensão ou gravidade disso! Talvez possa se retemperar se
aproximando ou até se fundindo com setores que apoiaram Marina. Talvez
se abra mais ao mundo atual, especialmente nos costumes e valores. Mas
pode deixar de ser a oposição, para se tornar uma das oposições.
Precisará pensar se em 2018 oferece mais do mesmo, ou algo novo. Há uma
enorme quantidade de propostas que poderia ter assumido, mas não o fez.
Quem sabe.
Agora, o outro lado. Perdendo, o PSDB ainda assim governará dois
Estados importantes, São Paulo e Paraná. Perdendo, o PT ainda assim
governará dois Estados importantes, Minas Gerais e Bahia. Nenhum deles
sai arrasado.
Havia um cenário de horror para o PSDB, um mês atrás: Aécio perder no
Brasil e em Minas Gerais; pior, ficar em terceiro na eleição federal.
Ele perdeu na vitrine mineira. Mas teve uma boa votação para a
Presidência. Mostrou uma firmeza que muitos lhe desconheciam, mostrou
coragem ante a adversidade. Se mesmo assim perder, terá apagado a imagem
de playboy que seus adversários lhe colam. Manterá popularidade. E o
PSDB terá bases políticas, além das midiáticas e empresariais, para
continuar lutando.
Se Dilma perder, o PT viverá tempos difíceis, até porque terá menos
financiamento privado, mas pode compensar isso com sua capacidade de
fazer oposição. Bater-se contra o governo em condições adversas, o PT
soube fazer. É difícil saber como o PT fará isso agora, mas ele ainda
terá apoio em parte significativa da sociedade.
Com tudo isso, é provável continuarmos com esse par de irmãos
inimigos. Por quê? Porque, quando um deles está quase liquidado, o povo
brasileiro lhe dá uma sobrevida. Nas eleições de 1994 e 1998, as
primeiras em que o presidente foi eleito junto com o Congresso e os
governadores, o povo deu tudo ao PSDB e aliados. Levaram Presidência,
maioria no Congresso, governadores. Desde 2002, o povo mudou. Deu a
Presidência ao PT, no que foi uma verdadeira revolução - a primeira vez
que a esquerda assumia o Poder Executivo federal - mas manteve a
oposição nos Estados. Daí em diante o PT aumentou suas prefeituras, mas
nunca mais houve "o primeiro colocado leva tudo". Esse padrão se
repetirá agora, qualquer que seja o resultado do segundo turno. É
constante demais para ser mera coincidência - ou para expressar alguma
inconsistência do voto, tipo "o povo não sabe votar".
O eleitorado brasileiro optou por Montesquieu. Ele quer o equilíbrio
entre os Poderes, que acontece quando um contém o outro para que ele não
seja forte demais. Os anos 1994-2002 bastaram, em termos de
concentração do poder. Agora, o povo deseja que ninguém possa tudo. Leva
a sério, mesmo não a conhecendo, a máxima de Lorde Acton: "O poder
tende a corromper. O poder absoluto corrompe absolutamente". Não dá
poder absoluto a ninguém. Num país politicamente rachado, ele vota em
ambos os lados. Não quer confiar seu destino a um só. Não quer resolver o
racha. Parece até exigir que os dois lados se entendam.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. E-mail: rjanine@usp.br
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