Estava
lendo uma longa entrevista com o escritor argentino Julio Cortázar e deparei
com sua inspirada declaração sobre “literatura com franjas”, que é aquela cheia
de rococós desnecessários. Segundo ele, escritor bom é escritor que se dedica a
limpar o texto até chegar a uma estrutura medular. Por isso é tão importante não
se dar por satisfeito e reescrever quantas vezes for preciso (para mim,
atualmente, tem sido a melhor parte do ofício).
É quando
temos aquele monte de palavras na nossa frente e começamos a depurar, polir,
retirar tudo o que não agrega, tudo o que não serve. Não raro, é um processo
dolorido, pois costumamos nos apegar a uma determinada frase ou a alguma
gracinha, mas não devemos mantê-la apenas por capricho: ela pode distrair o
leitor e interromper o ritmo da leitura.
É preciso
severidade consigo próprio, desapegar daquilo que, mesmo que nos apaixone,
compromete o resultado final. Diz Cortázar, e eu humildemente endosso: “Quando
corrijo, só uma vez em 100 acrescento algo. Nas outras 99, corrigir consiste em
suprimir. Qualquer um que veja um rascunho meu pode comprovar isso: muito
poucos acréscimos e enormes supressões”.
Faxinar
é uma arte. Vale para textos, armários, gavetas, e também para manias, lembranças,
rancores. A maturidade tem muitas vantagens, entre elas a de deixarmos de ser tão
sentimentais com nosso passado e promovermos um arrastão em tudo o que é excessivo.
Não há mais tempo para delongas: uma vez conhecendo melhor a nós mesmos, hora
de priorizar a essência – a nossa e a de tudo.
O
que não impede que pessoas mais jovens comecem a se habituar desde cedo a não
colecionar inutilidades, como amigos falsos, preconceitos e dramalhões. Hoje,
considera-se rico aquele que tem 1 milhão de seguidores no Twitter e curtidas
no Face, ou aquele que acredita que um sem-número de sapatos, bolsas e tênis
acalmará sua ansiedade, afugentando o vazio. Será mesmo preciso gastar metade
da vida até perder essa ilusão? O que nos dignifica não é um guarda-roupa
abarrotado ou uma cabeça lotada de neuras. Simplificar, ao contrário do que se
pensa, nunca foi provinciano, e sim um luxo que poucos conseguem bancar.
Acumular
é que é provinciano. Nem mesmo quando relaciono esse verbo a afeto e dinheiro
consigo dar a ele algum crédito, pois acúmulo nada tem a ver com suficiência. Se
temos afeto e dinheiro suficientes para viver bem, com paz, conforto e alegria,
para que correr atrás de mais e mais? O excesso pode conspirar contra, nos
exigindo um esforço extra para manter a roda girando. O suficiente faz a roda
girar sozinha.
Tempo
esgotado, hora de enviar o texto para o jornal. Desconfio que ele segue com
algumas franjas, mas prometo apará-las numa próxima versão.
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