EM DIA COM A PSICANÁLISE » No jardim da solidão
Regina Teixeira da Costa
reginacosta@uai.com.br
Estado de Minas : 30/11/2014
Outras vezes, tive a oportunidade e o prazer de apresentar a poeta e psicanalista Flávia Drummond Naves. Autora de Palavra cerzida (1ª edição de 2008, em tecido, e 2ª edição de 2009, em papel), Instantes (2012), Chuva branca (2010) e A última valsa (2011), 1º lugar no Concurso da OAP-UFMG. Flávia nasceu e vive em Belo Horizonte.
Agora, apresento Florarvore no jardim da solidão (Editora Cas’a’screver), título sugestivo de um trabalho, um brincar com a palavra que gerou um significante novo. Lindos desenhos de Julia Panadés ilustram o volume com delicadeza. Ilumina a composição Lúcia Castello Branco.
Como diz Janaina de Paula no prefácio, Flávia escreve um corpo só de poesias colhidas em um jardim distante, onde lembranças esquecidas anunciam um canto de solidão. Da solidão que se escreve. Desse solo germina a florarvore. Árvore, flor, mulher. Uma travessia.
Flávia faz um percurso em três tempos. Uma travessia muito particular na qual o ritmo começa no lirismo, no amor, alguma coisa do sujeito que vai se reduzindo progressivamente até o hai kai, surgido como um resto do qual pode se fazer alguma coisa pontual. Florarvora-se mulher.
Na solidão da casa, seus cômodos e objetos passeiam a poesia. A noiva do Jequitinhonha na cristaleira, frestas azuis das brancas janelas, um dia que não quer adormecer e a noite não amanhece em mim, pombos na louça inglesa sobrevoam o rio de onde acena a avó na terceira margem, copos vazios de cerveja na copa ao café e as bilhas.
Dali passa ao jardim. O musgo no muro, vagalumes, pássaros em voo, árvore broto e rebento de flor. No mergulho dos pássaros inventa voos de saída. Descansa na mais pequena morte o sonho vivo.
Manoel de Barros oferece a gravanha. Palavra colhida também por Guimarães. Flávia persegue a sonoridade e a estranheza da palavra criando inventices: gravanha/ grava/aranha/ A teia escreve.
Dali florarvora-se em cada vez menores versos. Florarvore testemunha a paisagem que o tempo incansável transforma em diversos cenários com sol, o vento, as marés, chuvas e rios. O olho da árvore é a mulher que começa.
Brincando com seu nome vai se reinventando em um nome próprio. De Flávia brota florarvore, palavra caída do ventre, parida. Significante que representa um resto, uma sobra, algo do feminino. Nesta obra um tom singular, pessoal e intransferível do atravessamento da autora que se deixa ver. Um corpo todo de árvore me fiz.
De um eu que cai um resto reduzido à brincadeira haicai. Nos verbetes Roland Barthes clareia: com o haicai estamos no soberano da escritura – e do mundo, pois do enigma da escritura, sua vida tenaz, seu caráter desejável, vem do fato de que nunca podemos separá-la do mundo. Um pouco de escritura separa do mundo, muita nos traz de volta a ele.
E nele o próprio sujeito não é mais o autor. A propriedade vacila, a autoria passa como no jogo de passar anel. O sujeito desdobra-se, é um folheado infinito. De Flávia ao florarvore-se:
Palavra-gesto
Palavra-nome
Palavra-inventada para livrar.
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