Análise de restos
mortais dos séculos 2 e 3 d.C. mostra que os gladiadores romanos se
alimentavam de grãos e buscavam se manter acima do peso, para que a
gordura os protegesse nas batalhas
Paloma Oliveto
Estado de Minas: 02/11/2014É bom esquecer aquela imagem de lutadores atléticos vestidos com pedacinhos de pano que só deixavam à mostra seus músculos bronzeados. Os gladiadores, garantem pesquisadores da Universidade Médica de Viena, eram vegetarianos gordinhos, que se alimentavam de grãos, legumes e verduras. Uma imagem bem diferente dos fortões que, em filmes hollywoodianos, aparecem devorando carne crua antes de entrar na arena.
A constatação dos cientistas veio depois da análise dos restos mortais de 53 pessoas, incluindo 22 guerreiros, que jaziam em um cemitério descoberto em 1993 na Turquia. O sítio arqueológico data dos séculos 2 e 3 d.C. e foi um importante achado, uma vez que é raríssimo encontrar vestígios dos célebres gladiadores.
Esqueletos dos escravos feitos lutadores de arena pelos romanos haviam sido achados, até então, apenas em Pompeia (Itália), Eboracum (Inglaterra), Augusta Treverorum (Alemanha) e Colônia Augusta Aroe Patrensis (Grécia). Ainda assim, o material escavado nesses sítios nunca foi revalidado por pesquisadores e não se tem certeza se, de fato, pertencia aos gladiadores.
Até que, no início da década de 1990, arqueólogos localizaram o cemitério de Éfeso, onde, desde 69 a.C., há registros de lutas de gladiadores, comandadas pelo governador romano Lúcio Licínio Lúculo. “Artefatos, principalmente lamparinas e grafites com ilustrações de lutas, sugerem que esses combates se tornaram cada vez mais importantes ao longo dos anos e atingiram seu máximo entre os séculos 2 e 3 d.C.”, conta Karl Grosschmidt, paleontólogo da Universidade Médica de Viena, que há anos estuda os restos mortais descobertos na Turquia.
TREINO E DIETA O grupo social dos gladiadores consistia principalmente de prisioneiros de guerra, escravos e condenados pela Justiça. De acordo com as leis romanas, havia, ainda, duas classes de lutadores. Os menos afortunados, condenados ad gladium, eram jogados na arena com uma espada, sem receber qualquer treinamento especial. O fim era quase certo: a morte. Já aqueles condenados ad ludum entravam para a escola de gladiadores, onde recebiam treinamento e educação apropriados.
Ao contrário do que se pensa, nem todos desse grupo terminavam massacrados na arena. À medida que lutavam, podiam ser reabilitados socialmente, escapando do trágico desfecho. E, apesar da probabilidade de morrer numa luta ser de um em cada nove no primeiro século depois de Cristo, existiam, ainda, os gladiadores voluntários. Além disso, outras pessoas que não os prisioneiros podiam frequentar as rigorosas escolas de combate. Cidadãos comuns, senadores, nobres e até imperadores tinham direito a receber treinamento nas ludus, as escolas de gladiadores.
Grosschmidt conta que textos romanos de época mencionavam que os guerreiros da arena consumiam uma dieta específica, chamada gladiatoriam saginam, que incluía cevada e feijão-fava. “O consumo de cevada fez com que ganhassem o apelido depreciativo de hordearii, ou comedores de cevada, revela o pesquisador. “Presumindo que os registros históricos sobre hábitos dietéticos dos gladiadores fossem precisos, então acreditamos que seria possível detectar diferenças nos traços de elementos químicos deixados pelos nutrientes em seus ossos e nos esqueletos dos romanos comuns”, afirma. Com essa ideia na cabeça, ele liderou uma equipe de cientistas que analisou isótopos estáveis e compostos inorgânicos detectados no material escavado. “O objetivo do estudo foi reconstruir a dieta dos gladiadores, em comparação à dos habitantes da Éfeso romana da época”, diz.
Traumas O paleontólogo conta que, no cemitério, foi possível reconhecer os lutadores devido às lesões nos esqueletos, típicas desses guerreiros, como decapitações e múltiplos traumas ósseos. Pequenas amostras foram retiradas dos restos mortais dos 53 indivíduos enterrados no cemitério e analisadas pelos cientistas com um espectroscópio, equipamento que detecta níveis atômicos de carbono, nitrogênio e sulfúrio no colágeno presente nos ossos, assim como estrôncio e cálcio.
Comparado às informações bioquímicas dos cidadãos comuns romanos, cujos esqueletos também foram analisados, o resultado mostrou que os guerreiros se alimentavam principalmente de grãos e vegetais. Enquanto os níveis de zinco e estrôncio são balanceados em onívoros, nos vegetarianos eles são muito mais altos, e foi isso que se viu no organismo dos guerreiros.
Além disso, a razão de estrôncio e cálcio sugere uma suplementação desse segundo elemento na dieta: “Nos gladiadores, é uma proporção elevada, sugerindo, talvez, que eles tomavam um suco de plantas contendo pó de osso, algo que é mencionado em textos antigos. Era uma espécie de tônico, que eles ingeriam depois dos treinos”, diz Fabian Kanz, do Departamento de Medicina Forense da Universidade Médica de Viena e também autor do estudo. “As coisas eram similares ao que vemos hoje — tomamos cálcio e magnésio em forma de tabletes efervescentes, por exemplo, depois de um esforço físico”, lembra.
Para Karl Grosschmidt, os gladiadores não deviam gostar nada da dieta, que fazia parte da rotina de preparação dos guerreiros. “Eles tinham de comer muito dessa comida todos os dias para ficar muito gordos e fortes”, afirma. Embora a imagem de um homem com sobrepeso não combine com a de um atleta, o pesquisador esclarece que formar camadas de gordura sob a pele e por cima dos músculos era essencial para tentar se livrar dos golpes de espada nas lutas da arena. “Com certeza, isso os protegeria dos ferimentos dilacerantes e de danos aos nervos e vasos sanguíneos. Era como um escudo natural”, diz.
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