O PSDB e a vida moderna
Considero melhor, para quem analisa a política, a postura crítica à engajada. Como cidadãos, é claro que cada um de nós tem seu preferido. E qualquer pessoa, inclusive os políticos, adora elogios. Mas isto não nos deve impedir de apontar problemas até em nosso candidato. Se a crítica será recebida como construtiva ou destrutiva, isso não depende só de quem a escreve, mas também, talvez sobretudo, de quem a lê. Na última coluna, apontei problemas que vejo no segundo mandato de Dilma Rousseff. Hoje, discutirei o PSDB.
Aécio Neves conseguiu a mais elevada votação tucana em disputas presidenciais desde 2002. Esse é um motivo de júbilo para os seus. Mas a questão é: será um piso, como quer o PSDB, ou um teto? O partido não pode partir da convicção de que seus 48% estão mais garantidos do que os 51% de Dilma. A "hybris", como chamavam os gregos ao orgulho desmedido, acarreta a desgraça. O PSDB e seus eleitores cometem demais o pecado da vaidade. Eles sinceramente se creem injustiçados, quando perdem uma eleição deste porte. Como o eleitor não viu que nós somos os melhores? perguntam-se.
Nenhum líder tucano pensa em golpe, mas quando malucos apelam às Forças Armadas ou querem o impeachment já, partem da crença de que não só há candidatos que valem mais, mas também eleitores - e votos - que valem mais. E portanto outros eleitores valem menos. Da ideia de que somos os melhores à desclassificação dos beneficiários do Bolsa Família ou dos nordestinos, há um longo passo a percorrer, e a maior parte não o percorre, honra lhes seja feita - mas alguns percorrem e, nas redes sociais e até na televisão, proclamam odiar compatriotas pela origem, renda ou posição política. Esse é um grande risco do qual o PSDB deve se precaver. Sua melhor atitude seria condenar energicamente tais posições e excluir os eleitos que as compartilhem. Um dos problemas na política brasileira é o excesso de complacência com o erro.
Líderes têm que saber conter seus extremistas
Soma-se outro problema: a dificuldade dos tucanos de perceberem o mundo em que hoje vivemos. Como já fiz antes, farei a grande exceção de FHC, que há anos vê as possibilidades da internet para renovar a vida social e política; que falou disso em 1997, ao imaginar graças às redes uma nova Renascença ou utopia; e criou há poucos anos o site Observador Político que, contra sua vontade inicial, se tornou um portal apenas tucano, em vez da grande ágora em que pessoas de todas as simpatias discutiriam. Mas onde mais percebo a dificuldade dos tucanos com a vida atual é na situação das mulheres. Faz sentido um candidato à Presidência defender, para elas, um salário "próximo" (e não igual) ao dos homens? Ou chamar os homens de "trabalhadores", as mulheres de "donas de casa"? Ou acusar duas concorrentes mulheres de "levianas", o que não fez, ante a mesma pergunta, com o homem Bonner?
Dizem as pesquisas que esta foi a primeira eleição, desde 2002, em que mais mulheres votaram no PT do que no PSDB. Está difícil o partido se abrir para causas que deveriam ser as suas. E cada vez mais ouvimos que com FHC, e mais ainda com Ruth Cardoso, não seria assim. A saudosa professora vai-se tornando, junto com Montoro e talvez Covas, emblema de um PSDB que existiu, que poderia ter continuado, mas que tomou rumos conservadores. E não só na política, mas nos costumes. Fátima Pacheco Jordão conta, aliás, no Valor do dia 31 de outubro, que Ruth Cardoso dizia: "Não adianta. Esse partido não tem jeito na questão da mulher".
Os costumes - ou o "comportamento", como gostam os editores de mídia - são no Brasil, há décadas, o local por onde entra a política mais inovadora. Temos muitas narrativas de pessoas que eram conservadoras em tudo, mas que, ao verem novas perspectivas na sexualidade ou na música, se tornaram o que os norte-americanos chamam de liberais, e nós de progressistas ou de esquerda. O Brasil deve ter sido pioneiro, desde os anos 1960, na conversão da experiência pessoal em posição política. A ditadura militar bloqueou os canais mais políticos de expressão mas, ao contrário do Cone Sul, não foi tão severa com a dissidência na música popular, sexo e costumes. Estes se revolucionaram. Novas pautas - simbolizadas na política por Fernando Gabeira - entraram em cena. Infelizmente, na campanha, apenas Luciana Genro e Eduardo Jorge se mostraram antenados com este novo mundo - que já não é tão novo assim, tem décadas.
Mas no fundo, no fundo, o grande problema do PSDB parece estar na dificuldade de realmente liderar. Liderar significa estar à frente de. Os políticos tucanos são melhores do que os extremistas que os apoiam em blogs ou redes sociais - mas não têm a coragem de enquadrar esses radicais. Daí que tenha sido fácil o PT apresentar o PSDB como o partido dos ricos sem noção que chamam os eleitores de Dilma de "cambada de pobres", de "nordestinos comprados" e outros agrados. O que é errado, pois toma um pequeno número por todos. Mas repito o que já afirmei: se Aécio tivesse condenado os que gritaram VTNC para Dilma na abertura da Copa - em vez de dizer que expressavam o repúdio da sociedade ao PT - esses grosseiros continuariam votando nele, mas ficariam calados. A voz mais frequente do PSDB seria moderada, educada, enfim, o que esse partido deveria ser. Mas os líderes parecem ter medo de fazer isso. Parece que temem perder votos, esquecendo que a franja extremista de seus eleitores e blogueiros não teria alternativa viável ao tucanato. Não basta o partido se atualizar na questão dos costumes e entender melhor os pobres: é preciso que seus líderes efetivamente liderem no plano dos valores.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
E-mail: rjanine@usp.br
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