quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Suspeito - Eduardo Almeida Reis

À noite, quando soube da troca das etiquetas, trepou nas tamancas: 'Eu podia ter sido presa!' e ficou furiosa durante dias, até que as coisas se revolveram no leito entre juras de amor eterno


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 13/11/2014


“A seguir, a palavra do suspeito” anunciou a senhora Patrícia Poeta Pfingstag Soares, antes do intervalo comercial. O “suspeito” era Thiago Henrique Gomes, goiano de 26 anos, depois de confessar 39 homicídios à polícia civil de Goiás e de ser reconhecido pelas vítimas nas tentativas de homicídio em que sua arma não funcionou. Releva notar que a munição assassina saiu do revólver encontrado na casa do “suspeito”, como confirmaram os exames de balística.

De minha poltrona de couro, examinei o bandido e fiquei espantado pelo fato de não configurar o tipo lombrosiano clássico, presente nos focinhos de 99,99% dos criminosos natos. Contudo, depois de acurada análise, descobri no olhar do “suspeito”, assassino confesso de 39 pessoas entre jovens trabalhadoras, moradores de rua e homossexuais masculinos, constatei que existe algo diferente no seu olhar de esguelha. Não chega a ter o focinho lombrosiano, mas o olhar de soslaio indica sua sociopatia. O advogado Huáscar, antes de abandonar o caso, disse que seu cliente é doente e deve ser tratado. Realmente, merece tratamento. Duvido que tenha cura.


Pasta
Usei pastas durante séculos e ainda tenho três guardadas nos armários, duas de couro, uma de courvin. Primeiro, eram necessárias para o meu trabalho; mais tarde, usei-as para transportar escova e pasta de dentes, charutos, jornais, essas coisas.

Certa feita, lá se vão muitos anos, fui almoçar no Rio com um amigo e elogiei sua pasta, a mais bonita que já vi. O excelente patrício ficou encabulado e me disse que a pasta tinha história triste. Fechou-se em copas. Evitei perguntar sobre a história: não gosto de histórias tristes.

Depois dos primeiros drinques, pois bebíamos à beça e à bessa, o amigo me contou que viu aquela pasta à venda num shopping de São Francisco, Califórnia, por 400 dólares, uma fortuna naquela época. Ao lado havia pasta idêntica anunciada por 100 dólares. Motivo: uma era de camurça finíssima e a outra de couro comum.

Num acesso de petismo, o patrício trocou as etiquetas com os preços. Passava temporada de um ano na Califórnia estudando commodities. Dois dias depois, voltando ao shopping, viu que as pastas continuavam com as etiquetas trocadas.

Chegando a casa, contou a sua santa mulher que havia visto uma pasta assim-assim, à venda por 100 dólares no shopping assim-assim, e lhe deu duas notas de US$ 50 pedindo que comprasse a peça no dia seguinte, quando estaria no curso de commodities.

Lá se foi a santa para o shopping, localizou a pasta com a etiqueta de 100 dólares, foi ao caixa, deu as duas notas de 50 e voltou para casa feliz pelo sucesso da missão de que fora incumbida por seu marido e senhor, obrigação primeira de toda mulher séria. À noite, quando soube da troca das etiquetas, trepou nas tamancas: “Eu podia ter sido presa!” e ficou furiosa durante dias, até que as coisas se revolveram no leito entre juras de amor eterno.


Óleo 20

Nascida em Goiânia, Maria Carolina Álvares Ferraz está seminova, gastando óleo 20. Isto aos 46 anos e o leitor pode imaginar a beleza de Carolina Ferraz há 25 anos, quando poderoso cavalheiro, casadíssimo, se apaixonou por ela. No embalo de sábado à noite, levou-a para jantar num restaurante recém-inaugurado no Rio, rua discreta no Bairro Leblon, comida excelentíssima. Carolina já despontava como celebridade e foi reconhecida pelo garçom. Ao trazer o cafezinho, o rapaz se atrapalhou e despejou o líquido no vestido da moça, pediu mil desculpas, ela foi muito educada e tudo terminou bem.

Ignoro a evolução do affaire, se é que houve coisa séria, mas fiquei sabendo pelo poderoso que, encantado com a comida do restaurante, resolveu levar sua velha companheira na semana seguinte. Inventou uma história de ter ouvido falar de restaurante novo, que teria comida muito boa, vestiu a mãe de seus filhos com a roupa da missa e lá se foram para o Leblon.

Até aí, tudo ótimo, não fosse pelo fato de o garçom reconhecer o acompanhante da celebridade no episódio do café derramado, comentar o fato e voltar a pedir desculpas. Deu um bololô dos diabos.


 O mundo é uma bola

13 de novembro de 1002: o rei Ethelred II (968-1016) ordena o massacre das comunidades vikings existentes na costa da Inglaterra, mesmo porque seria impossível massacrar comunidades inexistentes. Ethelred II casou-se duas vezes e deve ter tido, só em casa, 16 filhos. Sua primeira mulher foi AElfgifu da Nortúmbria, com as duas primeiras letras ligadas talqualmente a ilustre rainha deveria ligar-se ao rei aos gritos “me bate!”, “me mata!”. Que se pode esperar de uma AElfgifu?

Em 1615, fundação da cidade de Cabo Frio. Pelos padrões brasileiros, é antiga à beça. Em 1994, parece que foi ontem, Schumacher conquista seu primeiro título mundial de Fórmula 1. No ano 354, nasceu Aurelius Augustinus, dito de Hipona, bispo, escritor, teólogo, filósofo e doutor da Igreja Católica, que você conhece como Santo Agostinho.


Ruminanças
“Os montes saltam como carneiros, as colinas como cordeiros do rebanho” (Salmos, 104.4.).

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