Zero Hora 09/11/2014
Há
muitos anos, tantos que minha memória pode estar me traindo, havia um programa
de rádio local que fazia entrevistas e terminava sempre com a mesma pergunta: se
você pudesse passar uma tarde conversando com qualquer personalidade mundial,
viva ou morta, quem você escolheria? No topo das paradas se revezavam Martin
Luther King, John Lennon, Shakespeare, Gandhi, Nelson Mandela e demais nomes
desse naipe e magnitude.
Quando
chegou minha vez de ser entrevistada, tirei um Nelson do bolso também, mas não
era o Mandela. Respondi singelamente: adoraria passar uma tarde conversando com
o Nelson Motta.
Naquela
época, nem em sonhos imaginaria que um dia teria esse privilégio. Até hoje, aliás,
não tive – e é provável que nunca tenha. Estamos apenas menos distantes, nossos
universos se aproximaram, mas nos jogarmos num sofá pousando os pés em cima da
mesinha de centro, como dois velhos amigos? Desconfio que não nesta encarnação.
Por
que escolhi Nelson Motta em vez de Freud, Mick Jagger, Woody Allen? Nem eu
mesma sei direito a razão de ter negligenciado meus ídolos de estimação. Talvez
porque, na presença de grandes nomes, eu me limitaria a fazer uma entrevista,
sem conseguir tirar meus sapatos e colocar as pernas para cima. Com Nelson
Motta eu conseguiria – acho até que ele não permitiria que fosse diferente.
Antes
da literatura, minha maior paixão foi a música popular brasileira, o que
explica eu ter seguido os passos desse jornalista e produtor musical que fundiu
sua própria vida com a sonoridade extasiante que o Brasil produz. Nossa música é
nossa maior riqueza e Nelson Motta não só entendeu isso como a honrou através
de artigos, estímulos, descobertas e inclusive com canções próprias. Só isso
justificaria meu encanto, mas tem mais.
Tem
a coisa do jeito. O que me fascina nas pessoas, qualquer pessoa, é o jeito. Não
é o currículo, o discurso, o passado, o futuro, e sim o jeito de dizer as
coisas, o jeito de levar a vida, o jeito de sorrir, o jeito de olhar, o jeito,
simplesmente – fator tão esnobado, porém de alta relevância, ao menos pra mim.
Nelson
Motta me ganhou não só pelos seus livros, mas por ter transformado seu trabalho
em mais uma aventura amorosa (talvez a mais importante delas), por nunca perder
o balanço das ondas mesmo vivendo a rotina estressante imposta a todos nós, por
ser um cara que joga o jogo em vez de assistir da arquibancada, por ser um
entusiasta de tudo que é bonito, bom e swingado, por buscar a palavra mais poética
para dizer o que poderia soar pouco palatável e por manter inalterado aquele
sorriso de menino no rosto, contrariando todas as teses de que o tempo passa e
nos envelhece. Quem disse?
Ao
completar 70 anos dias atrás, tive o privilégio de estar bem perto dele, tão
perto que não resisti em perguntar, como se uma entrevista fosse: qual o
segredo, afinal?
Ele:
“Não guardar rancor”.
Não
tirei os sapatos, mas tirei o chapéu.
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