Zero Hora 17/12/2014
Estava
descendo uma ladeira do Chiado, em Lisboa, quando passei por um mendigo. Seria
mais um entre tantos que ocupam as calçadas, mas percebi que ele estava cercado
de cartazes dizendo que a esmola iria para o uísque, o vinho, a cerveja, a
ressaca. Um mendigo engraçadinho. Fiquei observando. Os turistas passavam, riam
e distribuíam moedas não por caridade ou desencargo de consciência. Era couvert
artístico.
Quando
o pessoal se afastou, me aproximei dele e conversamos rapidamente. Vi que tinha
um cartaz escrito “Ao menos sou sincero”.Perguntei se ele gastava mesmo em
bebida e ele disse que comia alguma coisa, claro, e gastava também em locomoção,
trocava de ponto, de cidade e até de país (estivera há pouco tempo em Sevilha),
mas morava na rua mesmo. Ele estava sozinho naquele momento, mas o “espetáculo”
não era solo, havia mais dois ou três amigos nessa onda, e com eles formava os
The Lazy Beggers. Tinham até um site.
Um
site?? Sim, para donativos online, assim as pessoas não precisariam se
aproximar de uns sujeitos sujos e fedorentos, podiam doar dinheiro de forma rápida
e segura pelo PayPal. Bem-vindos ao século 21. É a nova geração de mendigos,
disse ele.
Como
tudo começou? Eram artistas de rua, faziam malabarismo, tocavam alguma música,
até que um dia um vira-lata que estava por perto começou a tremer e eles, de
gozação, fazendo de conta que era alguma abstinência do bicho, colocaram um
chapéu e um cartaz em frente ao cão dizendo “Para cocaína”. Em poucos minutos,
o cachorro ganhou mais moedas do que eles na semana inteira. Adotaram-no,
cuidaram dele (conheci, chama-se Nemo) e ele virou mascote da trupe.
A
quem pergunta por que eles não trabalham, a resposta vem rápida: “Como, não
trabalhamos? Passamos de oito a 12 horas nas ruas fazendo os outros rirem”. À noite,
eles se recostam em algum canto e muitas vezes conseguem dormir em garagens de
amigos conquistados nesses últimos cinco anos em que levam sua miséria na
flauta.
No
site, há dicas para quem quiser pedir esmola de forma criativa. Vale tudo: tocar
um instrumento invisível e expor um cartaz dizendo “roubaram minha guitarra” ou
colocar uma máscara com o rosto de alguma celebridade junto a um cartaz dizendo
“para outra mansão”.
Funciona
mais do que cartazes dizendo que se está passando fome. Lamentos não comovem
mais ninguém, ele acha. As pessoas preferem remunerar o bom humor.
Por
fim: o site funciona? Ele é franco: “Pouco”. As pessoas gostam de doar pessoalmente,
mas como ficar fora da web? A internet é a maior rua que existe.
Dei
a ele uns trocos e pedi para tirar uma foto. Ele levantou um cartaz dizendo que
fotos custavam 278 euros. Tirei a foto mesmo assim e sorri. Ele respondeu: está
pago.
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