segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Principais ministérios (3): Meio Ambiente - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 15/12/2014


Compreender a importância do meio ambiente levará a mudanças para o melhor, na vida social e na economia

 
          Concluo a série de artigos sobre os ministérios do futuro. Hoje, seus titulares se sentam no fundão, durante as reuniões do governo. Mas em poucos anos essas pastas deverão, no Brasil e no mundo, se tornar as mais relevantes, pois que tratam de fins e metas da vida. Ainda vivemos num período tão marcado pela carência que ora salientamos as pastas econômicas coma as que melhor enfrentarão os gargalos na produção, ora os ministérios sociais como os melhores para resolver as falhas de nossa vida social: aqui, Fazenda, Planejamento, Indústria, Agricultura; ali, Justiça, Direitos Humanos, Igualdades. Mas se torna viável, pela primeira vez na história, extinguir a miséria e até a pobreza, bem como atingir a justiça. Podemos chegar aí em uma ou duas gerações. E depois?

Este futuro foi percebido pelo escritor Antonio Callado quando criticou a nomeação de Rubens Ricupero como ministro da Fazenda, em 1994. Ele foi o único a considerar a suposta promoção de Ricupero como um rebaixamento:

"Para mim, a notícia é melancólica. Volto com ela, a uma orfandade crônica, incurável, a floresta amazônica. Na opinião geral, Ricupero é uma espécie de homem público capaz de assumir com competência e trabalho sério qualquer função. O fato de um "cadre" dessa qualidade ter sido colocado num ministério feito para ele, sob medida, e intitulado da Amazônia e Meio-Ambiente era extremamente promissor. Nesta nossa trêfega República a existência da maior floresta do mundo não passa de um aborrecido problema: que se há de fazer de um matagal infindável, todo cortado de rios exagerados, pululante de índios, seringueiros, garimpeiros que lutam pela mesma terra, a qual, no fundo, já pertence à Supergasbrás, Bradesco, Matsubara, Lunardelli? O embaixador Ricupero dava a impressão de já haver mergulhado na tarefa difícil mas fascinante de tornar a Amazônia um problema compreensível. Talvez até solúvel. Em princípio me parece mais fácil, muito mais fácil, encontrar no Brasil um bom ministro da Fazenda -isto é, um bom administrador da inflação nacional- do que alguém capaz de afinal franquear aos brasileiros a verdadeira posse e fruição do esplêndido patrimônio que comoveu Humboldt e Euclides da Cunha e que temos tratado até agora como se fosse uma praga, uma enxaqueca." (Folha de S. Paulo, 2/4/1994).

Meio ambiente é um trunfo, não um ônus

Nesse artigo, só envelheceu a referência à inflação. Porque Callado constitui a Amazônia como mais do que um patrimônio estático, ou uma grande reserva a ser deixada intocada. Ela simboliza uma nova civilização. Pois há duas maneiras de considerar o meio-ambiente, uma defensiva, outra prospectiva. Uma coisa é defendê-lo, preservá-lo, protegê-lo - uma série de verbos que colocam a natureza como frágil, vulnerável, e nós, como seus tutores, seus guardiões. Outra é inverter os sinais: frágeis somos nós. Não sobreviveremos, seguindo o caminho atual. Jamais conseguiremos destruir a natureza. Mesmo que a temperatura do planeta suba vários graus, os prejudicados seremos nós, com cidades destruídas, com insumos essenciais à vida humana perturbados. Mas a natureza seguirá, mesmo modificada. Então, lembrando John Donne, os sinos não dobram por ela, mas por nós. Depois de destruirmos tantas espécies, é a nossa que está em risco.

Ainda melhor: a natureza é pródiga em recursos que ainda mal conhecemos. Precisa ser objeto de intensa pesquisa científica. O homem pode continuar a enriquecer, mas desde que saia da predação e entre num aprendizado que começa pela ciência. Daí, etapa seguinte, deveremos rever extração de minerais, agricultura, criação de animais, indústria, para não dizer comércio e serviços. Todo o modo como, em cinco milênios ou mais, a humanidade construiu a si mesma, num desrespeito crescente ao mundo natural, precisa ser revisto. O princípio de sustentabilidade é só uma parcela desta necessária autocrítica. Não é só respeitar a natureza: há também que conhecer suas riquezas. Isso significa mudar as matrizes de produção.

Estes anos, uma série de informações, algumas novas, outras já conhecidas dos cientistas, vieram a público, que estão mudando tudo. Uma nova concepção de ciência se fortalece, anti-predatória, avessa à separação radical de sujeito e objeto que data de Descartes e marcada por uma proximidade inédita entre ciências biológicas e humanas. E, com isso, uma revisão dos custos de produtos. O exemplo óbvio, que já lembrei aqui, é incluir a agressão à natureza no preço das mercadorias, o que há de encarecer o que gasta carbono (como carne e viagens aéreas) e baratear o que ofende menos a natureza. Tal mudança afetará nossos valores, modo de vida e economia.

A questão não é se estas mudanças acontecerão ou não. Vão acontecer. Causarão choro e ranger de dentes, mas a questão não é sim ou não: é como. Atrasos neste rumo só encarecerão o resultado final - que será positivo. O meio ambiente não é uma "liability", mas um "asset". Imaginemos uma nova civilização, talvez o "novo Renascimento" de que falava FHC (mas, no caso dele, pensando sobretudo na Internet) - quando a matriz produtiva for mais "nature-friendly", o lazer se tornar criativo com a ampliação do papel da cultura e nossa saúde melhorar com uma alimentação saudável e mais atividade física. Esta é a síntese de nossas três últimas colunas. É o que explica que a pasta do Meio Ambiente deva se tornar mais importante que as econômicas- porque a economia também dependerá deste projeto anti-Koyanisqattsi de um mundo em maior equilíbrio. Repito: o caminho é este. Recusá-lo é só retardá-lo.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

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