Zero Hora 11/10/2014
Imaginem o pátio de uma escola na hora do recreio. No primeiro cenário, o
pátio está vazio porque as crianças são proibidas de sair para brincar.
O diretor da escola, convencido de que os alunos não sabem usar a
liberdade com a devida responsabilidade, decide que as crianças devem
permanecer sentadinhas, comendo o lanche em silêncio e pensando na vida.
Isso é uma ditadura. No segundo cenário, as crianças podem brincar à
vontade e têm liberdade para lanchar, conversar, jogar bola ou andar de
balanço, mas se chutarem o coleguinha na canela vão parar na direção.
Isso é uma democracia.
Em um terceiro cenário, as crianças reúnem-se em um pátio onde todos
os brinquedos do mundo estão disponíveis a qualquer hora do dia e não
há adultos por perto para regular o intervalo. Ali tudo é permitido,
tanto os chutes nas canelas e as cotoveladas quanto as brincadeiras
criadas em conjunto por crianças de todas as partes do mundo, de forma
que umas aprendem com as outras o tempo todo e já não existe tanta
diferença entre a hora do recreio e a hora de estudar. Isso é a
internet.
Nestas eleições, as discussões sobre política nas redes sociais
aumentaram em 84% o número de denúncias de crimes de ódio na internet no
Brasil, informa um levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo.
Racismo, homofobia, xenofobia e intolerância religiosa foram as
principais causas de denúncias. É como se aquelas crianças, brindadas
com a possibilidade de fazer qualquer coisa na hora do recreio,
decidissem reproduzir um ambiente hostil e primitivo, onde a civilização
colapsou e todos falam ao mesmo tempo, mas ninguém se entende.
Felizmente, muita gente está convencida de que um outro mundo
(virtual) é possível. No TED Global realizado durante a semana que
passou no Rio, a jovem ativista argentina Pia Mancini apresentou a
ouvintes de várias partes do mundo o projeto democracyos.org – uma
ferramenta digital através da qual os eleitores podem debater projetos e
mandar recados para seus representantes no Congresso. Uma ideia
ambiciosa, talvez utópica, mas que nasce do esforço de usar a tecnologia
para transformar o desconforto generalizado com a política convencional
em algo mais do que um cartaz em uma manifestação.
O pátio livre e autogerenciado é uma realidade irreversível: a
internet e as novas formas de convivência que ela provocou e
possibilitou não vão ser desinventadas. O grande desafio para o século
21, porém, é fazer com que tecnologia, globalização, redes sociais e a
demanda crescente por uma nova forma de fazer política, presente em
manifestações nos quatro cantos do mundo nos últimos anos, engendrem
algum tipo de aperfeiçoamento da democracia – e não o contrário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário