domingo, 23 de novembro de 2014

Ao poeta - Regina Teixeira da Costa

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Ao poeta


Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas : 23/11/2014 



Um grande pesar para os amantes da poesia foi a partida do querido poeta Manoel de Barros. Como um último encontro e adeus fez-nos revisitar seus poemas e reviver a emoção exalada deles. O frescor da natureza saído das palavras, a árvore, a pedra, o estilo de escrever sobre o nada e quase nos transportar à materialidade da terra molhada sob os pés, aos brejos e coaxar de sapos.

Tudo isso demostra a extraordinária relação entre o poeta e a palavra. Como ele próprio afirmou (Coleção AmorÍmpar. Caderno 1, Editora UFMG, 2009): ‘‘Estou condenado a me ser em cada palavra. Penso que fugir disso é liberdade. Mas logo penso que é suicídio. As palavras me controlam. Se passo por elas, me chamam. Se passo, me possuem. Quem guarda a poesia em qualquer lugar e em qualquer tempo é a palavra. Não é o amor, não é dor, não é a flor. Mas é a palavra’’.

Essa coleção delicada tem projeto gráfico de Maria José Vargas Boaventura em parceria com a professora de literatura da UFMG Lúcia Castello Branco, que a descreve como produto de uma relação com o poeta desde 1982, seguida de correspondência e uma amizade que mantiveram por laços de letra, e não só. Desde então, trocaram cartas, originais, livros, ideias, projetos como este Caderno 1.

O poeta condenado à palavra apenas desejava escutar o equilíbrio sonoro das letras, das sílabas, das palavras, das frases sem a boa razão. Tudo tudo nada. Apenas jogo das palavras. E esse jogo captura tantas pessoas, que fez com que muitos condenados à imperfeição da linguagem para descrever o real também as tomassem para si.

E é por isso que tantos choram essa perda. Perdemos um homem capaz de dizer do nada coisa nenhuma e, ainda assim, trazer o consolo da palavra escrita em papel com lápis e borracha, como disse Barros. Só conseguia escrever assim materializando as palavras que o apaixonavam em manuscritos, fazendo-as um objeto grafado apesar da leveza e fluidez que nelas experimentamos. O poeta viverá para sempre em seus versos e em nossa grata lembrança pela simplicidade revalorizada em versos.

Trago agora ao leitor, para fazer reviver mais um pouco do poeta, algumas de suas palavras e um pouco de seu humor.

“Escrevo o idioleto manoelês archaico (idioleto é o dialeto que os idiotas usam para falar com as paredes e as moscas). Preciso de atrapalhar as significâncias. O despropósito é mais saudável do que o solene (para limpar das palavras alguma solenidade – uso bosta). Sou muito higiênico. E pois. O que ponho de cerebral nos meus escritos é apenas uma vigilância, para não cair na tentação de me achar menos tolo que os outros. Sou bem conceituado para parvo. Disso forneço certidão.”
“O que não sei fazer desmancho em frase./ Eu fiz o nada aparecer./ (Represente que o homem é um poço escuro./ Aqui de cima não se vê nada./ Mas quando se chega ao fundo do poço já se pode ver/O nada.)/ Perder o nada é um empobrecimento.”

Perder Manoel de Barros também.

Inspirada certamente pelo poeta Manoel de Barros, chega às livrarias dia 29 o livro de Flávia Naves, O florarvorarse.

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