Zero Hora 07/12/2014
A família patriarcal pai, mãe e filhos
hierarquicamente enfileirados durou tanto tempo menos porque fosse perfeita do
que porque não havia muitas alternativas à disposição. Toda a revolução
provocada por mulheres e jovens insatisfeitos a partir dos anos 1960 brotou
exatamente das muitas rachaduras desse modelo, baseado na milenar regra do
manda mais quem pode mais.
Ser
apenas dona de casa não era o negócio da China para a maior parte das mulheres,
assim como obedecer pais e professores o tempo todo não combinava com a energia
anárquica e contestadora dos adolescentes – e vamos combinar que sustentar a
casa sozinho também não devia ser bolinho para nossos pais e avós. Ou seja:
dependendo do grau de frustração envolvido, famílias em que tudo parecia andar
conforme o figurino podiam ser muito infelizes e sufocantes.
Se
essa fórmula mais ou menos convencional, testada durante muitas gerações antes
da nossa, era um caldeirão de tensões mal resolvidas, os modelos que vieram
depois obviamente não instalaram o paraíso sobre a Terra.
Há
hoje, claro, mais liberdade para sair do script e inventar novos arranjos
familiares, o que é uma novidade muito bem-vinda. Ninguém precisa ficar casado
com a mesma pessoa durante 50 anos se não quiser, e filhos fazem sexo quando
acham que estão prontos, inclusive dentro da casa dos pais e com a bênção deles
– o que é bem melhor, e mais seguro, do que transar no banco de um fuca
estacionado numa rua escura. Beleza.
Mas
a nova família tem lá seus problemas também, e não são poucos. A legislação que
obriga os pais a compartilhar a guarda dos filhos depois da sepração endereça
um deles: a dificuldade de conciliar os interesses (e mágoas) dos adultos com o
que é melhor para as crianças.
Como
muitas vezes acontece, esta é uma lei que chega para forçar um tipo de atitude
(sensata, racional) que ainda não é a mais comum. Vai demorar algum tempo até
que as varas de família fiquem vazias por ausência de tensão na hora do
divórcio.
A
separação é um processo doloroso e difícil, e quem preferia não se separar se
sente duplamente traído ao ser obrigado, além de tudo, a abrir mão de parte do
tempo dos filhos. Nesses momentos, é preciso convocar todas as energias de bom
senso disponíveis para fazer o que é certo e justo – se não para todos os
adultos envolvidos, pelo menos para as crianças.
A
hamornia ideal talvez não seja mais do que uma linha fictícia no horizonte, mas
não podemos abrir mão do esforço de mirar na melhor versão possível de nós
mesmos – e das nossas famílias também.
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