Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 04/01/2015 No primeiro domingo do ano, gosto de invocar grandes figuras e seus legados preciosos, começando a jornada sob a influência dos inspirados. Afinal, o que seria de nós sem os bem-dotados escritores, críticos, poetas, artistas – pessoas de raro valor e competência a iluminar a nossa passagem pelo mundo?
Seria desértico viver sem a originalidade e até mesmo a simplicidade daqueles que sabem traduzir racional e afetivamente o que sentimos e nem sempre somos capazes de dizer. É muito prazeroso o encontro entre o artista criativo e o apreciador de sua obra, porque desperta em nós coisas adormecidas. Palavras que teríamos dito se elas nos chegassem leves e fluidas como estas que deixo a leitores que, como eu, amam Mario Quintana:
“Já repararam como é bom dizer ‘o ano passado’? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem... Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse ‘tudo’ se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraordinária sensação de alívio, como só poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado, deparei com um despacho da Associated Press, em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do ano-novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:
‘Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados’.
Ótimo! O meu ímpeto, modesto, mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás, praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...
Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo sexagésimo quinto andar do ano passado. Morri? Não. Ressuscitei. Que isso da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição – morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.
Assim seja! Que o ano velho traga novos e bons ventos. Como na oração, que tenhamos serenidade para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras”.
Evoco essa prece para lembrar que o real nem sempre atende ou se inclina diante do que queremos. Ainda assim, focar o desejo, diferentemente de um querer ou um capricho qualquer, é um guia que nos permite manter a fidelidade, o eixo, o fio-terra do que somos. Sem ele, seríamos levados como se não existisse a força gravitacional que mantém nossos pés no chão.
Nesta data histórica, já em 2015, desejo próspero ano-novo aos leitores que nos acompanham nesta jornada
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