Laura Cardoso renova seu compromisso com a arte de interpretar, aos 87 anos, e sugere que
os atores estreantes tenham "mais amor, mais respeito e mais honestidade com a carreira"
Jefferson da Fonseca Coutinho
Estado de Minas: 18/03/2015 A voz do outro lado da linha, em timbre de vigor e simpatia, tem o entusiasmo de aspirante. Nada demais não fosse sua dona uma profissional com mais de 70 anos de carreira, com uma centena de trabalhos no teatro, na TV e no cinema. Laura Cardoso, aos 87, é a operária da cena, a terapeuta de A última sessão, amanhã e sexta, no Grande Teatro do Sesc Palladium.
É ela quem dá suporte ao coletivo de veteranos, que conta ainda com Nívea Maria, Etty Fraser, Sonia Guedes, Sylvio Zilber, Miriam Mehler, Gésio Amadeu, Gabriela Rabelo, Yunes Chami e Marlene Collé. O espetáculo chega a Belo Horizonte um ano depois de estrear em São Paulo.
O enredo é um achado do ator, dramaturgo e diretor paranaense Odilon Wagner: um clube de encontros para amigos com idades entre 75 e 85 anos. Sujeitos de verdades e motivos velados, de desdobramentos imprevisíveis, na régua das vivências. No almoço de domingo, humor e amargura na medida dos significados e das revelações. Há ainda o amor às avessas no topo da maturidade.
As conversas – a “psicoterapia”, como nomina Laura Cardoso – são habitualmente de paz, até que um dos participantes, angustiado com o rumo tomado na carreira e na vida, faz da comédia drama em ponto de virada inspirado em A tempestade, de William Shakespeare. O final, de acordo com a atriz, é uma surpresa.
“É um momento lindo. A peça é muito bonita, com atores excelentes, muito antigos e modernos. O ator é eterno. É um encontro de emoções numa sala de jogo. Uma psicoterapia. O meu papel é ouvir todos… o ser humano. O ser humano é muito eu reunido, é muito ele mesmo. É muita riqueza os desafios da cena. Nesse trabalho, meu papel é encaminhar o outro para um final feliz”, orgulha-se.
Laura exibe paixão pela empreitada. Diz-se aprendiz sempre, uma “operária do ofício”. Conta que, nos palcos ou nos sets de cinema, é sempre uma imersão diferente, de corpo e alma, a cada trabalho. “Sou do signo de virgem… perfeccionista. Não quero competir. Quero ganhar. E ganho sempre. Amigos, experiência e aprendizado”, afirma.
LIÇÕES Laura suspira e dá ainda mais brilho à voz quando é provocada a falar das lições do ofício de interpretar. “É uma entrega. É sempre uma entrega visceral. Os meus personagens me dão muita coisa. É uma entrega profunda do meu eu em retribuição às tantas alegrias que as minhas criações me dão”, emociona-se. A atriz revela que em cada processo, a cada papel, é um salto ao avesso nas recordações da vida. “De amores, de perdas… de alegrias e de tristezas”. Força para lidar com tamanha entrega? “Vem do amor ao trabalho, ao ofício, à carreira. É uma energia que me fortalece nessa busca para toda a vida”, pontua.
Revelada nas encenações dos circos nos anos 1940, Laura se mostra vaidosa e agradecida pelo reconhecimento do público desde o início da carreira. Ressalta o amor pela vida e pelo aprendizado nos encontros da cena com os mais jovens. Também diz-se tomada de vontade de fazer mais e melhor. Sempre. “Quando assumo um personagem, passo horas pesquisando, estudando-o nos mínimos detalhes. Quero entender seus sentimentos, seus motivos, saber tudo sobre ele. Acabo encontrando sempre algo de maravilhoso e encantador em todos os meus personagens”.
Alguma vilã, alguma criatura que tenha feito mal à atriz criadora? “Não. Nunca. Aprendo muito com todos os meus papéis”, ressalta. Exigente e cuidadosa com a carreira, Laura conta que, no teatro, na TV ou no cinema, escolhe, cheia de critérios, as suas empreitadas. “Naturalmente, amo o meu ofício. Tudo o que faço e quero é estar sempre trabalhando, mas é preciso ter o que dizer. Tem que tocar o meu coração”, justifica. Também tem conselho para os artistas mais jovens: “Mais amor, mais respeito e mais honestidade com a carreira, com o público, que merece toda a nossa dedicação”.
Sobre a passagem do tempo, a atriz diz: “É uma pena que a gente vai envelhecendo. A minha amiga Hebe Camargo vivia me dizendo: ‘Corra que o caminho é curto’.”
Atenta ao que ocorre na teledramaturgia brasileira, Laura, que acaba de fazer uma participação especial na recém-terminada novela Império (TV Globo), observa que há “mais quantidade e menos qualidade”. “Não deveria haver tanta preocupação com a audiência. Essa preocupação prejudica a qualidade. Temos profissionais maravilhosos, que poderiam contar histórias muito boas, mas acabam ficando reféns da audiência. A TV, o teatro e o cinema têm a obrigação de oferecer trabalhos de qualidade ao público. Se você oferecer coisas boas, o povo vai sempre querer coisas boas. Vai estar preparado para isso. É o comercial a maior preocupação. Não é a qualidade, infelizmente”, lamenta.
PRÊMIOS
Nos cinemas, Laura Cardoso conta mais de 25 filmes. Com Através da Janela, de 2000, ela ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema de Miami. No teatro, a atriz faturou outros troféus importantes. Levou duas vezes o prêmio Shell – o primeiro em 1990, com a peça Vem buscar-me que ainda sou teu e, em 1993, com a montagem Vereda da salvação. Em 2006, a atriz foi condecorada com a Ordem do Mérito Cultural, homenagem do governo brasileiro pelo trabalho no teatro, televisão e cinema.
O ator é eterno. É um encontro de emoções numa sala de jogo. Uma psicoterapia. O meu papel é ouvir todos… o ser humano. O ser humano é muito eu reunido, é muito ele mesmo. Nesse trabalho, meu papel é encaminhar o outro para um final feliz”
Laura Cardoso, atriz
A última sessão
Texto e direção: Odilon Wagner. Com Laura Cardoso, Nívea Maria, Etty Fraser, Sonia Guedes, Sylvio Zilber,
Miriam Mehler, Gésio Amadeu, Gabriela Rabelo, Yunes Chami e Marlene Collé. Dias 19 e 20 de março (amanhã e sexta), às 20h30. Grande Teatro do SESC Palladium (r. Rio de Janeiro, 1.046, Centro.) Classificação: 12 anos. Duração: 90 minutos. Ingressos: de R$ 50 (inteira, plateia 3) a R$ 80 (inteira, plateia 1)
Nenhum comentário:
Postar um comentário