domingo, 5 de abril de 2015

Decolagem autorizada - Martha Medeiros

O Globo 05/04/2015


Três semanas atrás escrevi uma coluna que repercutiu. Eu falava do sentimento de ver uma filha levantando voo, saindo de casa para construir sua própria vida fora do país, sem data para regressar. Na ocasião, recebi e- mails de pais e mães relatando experiências semelhantes, contando como foi importante para o amadurecimento de seus filhos essa decolagem rumo à própria independência. Não foram três ou quatro, foram dezenas de mensagens, provando que essa debandada é mais comum do que se imagina e que só traz benefícios, tanto para quem vai quanto para quem fica.
Estava eu entretida com as histórias que cada um contava quando entrou um e-mail de um pai que assim iniciava seu relato: “Tua coluna me levou às lágrimas.” Pensei: mais um que acaba de voltar do aeroporto depois de se despedir do seu moleque. Mas não. Ele contou que tinha um filho de 38 anos que ainda morava em casa e não dava sinal de querer levantar a bunda do sofá (palavras dele). Imaginava que, a essa altura, o filho já teria vivido suas aventuras pelo mundo, aprendido um pouco sobre a vida, feito escolhas, mas que, ao contrário disso, criara raízes e não pretendia cortá-las. O garoto (garoto??) trabalhava, era um bom menino (menino??), mas nada de se movimentar.

À medida que o texto progredia, a frustração desse pai ficava mais evidente. No final, já estava insultando o guri ( guri??). E eu, que gosto de um humor negro, não contive o riso diante deste “pai às avessas’’, como ele próprio se definiu: inconformado por não ver seu filho também levantando voo.

Dei total razão a ele. Quando os filhos saem de casa, a gente se preocupa, sente saudades e tal, mas, no fundo, sabemos que esse rompimento está escrito e que é salutar na vida de todas as famílias. Por mais que dê um aperto no peito, o sentimento que realmente impera na hora da separação é orgulho. Criamos um filho que tem determinação, autonomia, equilíbrio emocional. Não é preciso que ele vá para Londres, Austrália ou qualquer outro lugar distante. Basta abrir mão de um amanhã previsível, nem que seja se mudando para o bairro vizinho. É um impulso natural: abrir- se para novas oportunidades, alargar o campo de visão, encontrar- se com um eu mais autêntico. Claro que grande parte da população não conta com esse privilégio: amontoam- se todos sob o mesmo teto por não terem como se sustentar de forma avulsa. Mas quem ganha seu próprio dinheiro, e ainda assim se recusa a migrar, será para sempre o apêndice de uma estrutura que não foi criação sua, e sim herdada sem esforço, impedindo a formação de uma identidade mais legítima.

Ô garoto, coragem. Bata as asas e permita que seu pai voe também.      

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