Vou
contar o início do filme Força Maior. Não é spoiler, pois esta cena importante,
que desencadeia todo o resto, já foi comentada em outras resenhas, mas é melhor
avisar.
Uma
família convencional (mãe, pai e um casal de filhos pequenos) vai passar seis
dias esquiando nas montanhas. Na manhã do segundo dia, estão num avarandado ao
ar livre, almoçando, quando percebem uma pequena avalanche na montanha em
frente. Em princípio, tudo bem, são comuns as avalanches controladas, mas esta
parece ligeiramente descontrolada, até que, por precaução, as pessoas em volta
começam a se levantar das mesas, ouvem-se gritos e então o caos se instala: tudo
indica que a neve soterrará a todos.
Diante
do perigo súbito, o pai pega seu celular e corre para longe. Deixa a esposa e
as duas crianças para trás, que se agacham e esperam pelo pior – mas nada
acontece. Ou acontece?
O
pior, no caso, seria um acidente com mortos e feridos, mas não: apenas uma névoa
seca cobriu o ambiente e logo todos voltaram a seus lugares. O pai retorna a
seu assento e a família prossegue com o lanche, mas dali em diante nada mais
será igual, pois aconteceu, sim, o pior. Aquele pai fez o que não se espera de
seu papel tradicional: fugiu sem pensar em mais ninguém.
A
maneira como o filme foi dirigido faz a gente sentir uma angústia similar à de
cada membro da família. Ninguém mais sabe como deve se comportar. Tudo era tão
certinho entre aqueles quatro, as “avalanches” emocionais eram sempre tão
controladas, e, de repente, a descoberta: pessoas seguem impulsos, têm ímpetos,
se desgovernam.
Poderíamos
reduzir o filme a uma questão trivial: os homens não seriam tão protetores
quanto as mães, mas isso é uma falácia. O que o filme mostra é que criamos um
padrão de comportamento que sustenta nossas emoções, e nos desestabilizamos
quando esse padrão é quebrado.
Em
uma cena significativa, a mãe conversa com uma turista que está no mesmo hotel
e que, apesar de casada e com filhos, está viajando sozinha e tem algumas
aventuras sexuais com outros hóspedes. São duas mulheres com visões antagônicas
sobre o casamento – uma é conservadora, a outra, extremamente liberal –, mas o
que poderia ser uma simples troca de experiências descamba para uma cobrança
raivosa. A mãe não consegue disfarçar sua perplexidade (e uma pontinha de
inveja, suponho) diante daquela estranha que se permite viver de forma tão
livre, arriscando perder seus afetos. De que, aliás, a outra discorda, pois
acredita que é justamente a honestidade em relação a seu desejo que fortalece
seus vínculos.
Não
temos domínio sobre ninguém, e o domínio que temos sobre nós mesmos é relativo.
O que o filme deixa claro como a neve é que, se queremos tanto nos sentir
protegidos, um bom começo seria aceitar que estamos deslizando em meio ao risco
o tempo todo. Incluindo o risco de agirmos como nunca imaginamos.
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