Oitavo disco do grupo e um dos mais
conhecidos álbuns dahistória completa 40 anos e ainda desperta o
interesse de músicos e fãs de todas as idades
Ana Clara Brant
Estado de Minas: 01/03/2013
Intuitivo e racional, misterioso,
original, lírico, pretensioso, orgânico e místico. Não são poucas as
tentativas de se definir o disco The dark side of the moon, obra-prima
da banda inglesa Pink Floyd. Ao completar neste mês 40 anos de “viagem”,
o álbum parece rejuvenescer a cada ano, ao ganhar novos fãs e ratificar
sua mensagem aos admiradores mais antigos. Concebido pelas mentes
estratosféricas de Roger Waters, David Gilmour, Rick Wright e Nick
Mason, o famoso disco do prisma já nasceu grande ao propor um novo
conceito musical, que explorava sons, imagens, abusava da tecnologia e
propunha discussões políticas e filosóficas. Com o lançamento de seu
oitavo trabalho, a banda atingiu a maturidade.
Conhecido até
então como um grupo underground e psicodélico, que fazia um rock muitas
vezes sem sentido e viajandão, o Pink Floyd quis definitivamente romper
com o seu passado “lunático” e ser levado mais a sério. A ideia era
clara: deixar para trás os traços sombrios do antigo guitarrista e
fundador Syd Barret e estabelecer uma conexão mais direta com o público.
“Queríamos trazer a banda de volta das fronteiras do espaço, sair
daquela extravagância para algo que fosse mais claro, pessoal e menos
subjetivo. Essa era a minha luta”, disse à época o baixista Roger
Waters, então com 29 anos e cheio de dilemas com os quais tinha
dificuldade em lidar.
O álbum seria o canal perfeito para
promover sua catarse de amplitude universal. Tempo, violência, morte,
ganância, medo e loucura eram apenas algumas das questões que o letrista
exorcizou, jogando luz nas trevas da lua. “O disco trata de temas
particulares de cada integrante do Pink, mas que são universais. Todos
se identificam, pois as angústias ali colocadas são sentidas por toda a
humanidade. Isso fez com que Dark side… não ficasse datado. Ele foi
criado há 40 anos e continuará atual daqui a 100. O disco provou também
que é possível fazer música de qualidade, com conteúdo e ainda vender
muito”, analisa o jornalista e admirador do Pink Floyd Gustavo Miranda.
Gravado
no lendário estúdio Abbey Road e lançado em março de 1973, em Londres, o
disco – que teve o nome emprestado do verso da canção Brain damage,
“I'll see you on ‘the dark side of the moon” – tornou-se um clássico de
forma instantânea. Elogios de crítica e público atestaram que os músicos
acertaram na forma e no conteúdo. Se por um lado o álbum revolucionava
com o uso de sintetizadores e efeitos sonoros incomuns, por outro as
letras disparavam impetuosas rajadas filosóficas. O vulcão sonoro que
acabara de eclodir deu ao Pink Floyd o primeiro lugar nas paradas,
vendas inimagináveis e a certeza de que a banda entrara com estilo no
panteão do rock. “Lembro-me de que na primeira vez em que escutei o
disco falei: ‘Nossa, isso é forte, é diferente.’ Este foi o disco que
mudou a vida do Pink Floyd definitivamente. Eles saíram do underground
para se transformar em estrelas do rock mundial”, acredita Bruno Morais,
vocalista, guitarrista e diretor musical do Ummagumma The Brazilian
Pink Floyd, grupo cover dos ingleses e que tem show marcado para o dia
16 em BH, no Palácio das Artes.
Divisor de águas da história
floydiana, o emblemático Dark side… continua pulsante e atual. Inúmeras
cópias são vendidas diariamente pelo planeta. Não bastassem suas músicas
cheias de significados e enigmas, o álbum tem a capa que é, até hoje,
uma das mais conhecidas da história do disco. Simples e direta, a imagem
do prisma dá a exata noção do que se deve esperar ao experimentar os
cerca de 43 minutos do álbum: a rica e edificante transformação da vida.
E não nos esqueçamos de que não existe lado escuro da Lua. Na verdade,
ela é toda escura.
Aos prantos Pink Floyd é muito mais do que a
banda favorita para um grupo de fãs de Belo Horizonte. É motivo para
viagens, reuniões e uma experiência. “A gente vira e mexe se encontra
para ouvir e debater Pink Floyd. Já viajamos até para o exterior para ir
ao show do Roger Waters e estamos pensando em criar um fã-clube aqui em
BH”, comenta o economista Rodrigo Miranda ao lado dos amigos Rafael
Máximo, Cristiano Halterberck, Luiz Gustavo Silva, Marcelo Colares e o
irmão Gustavo. Os rapazes se acostumaram desde cedo a ouvir o som
progressivo dos britânicos e acreditam que o Pink proporciona sempre
algo único e supreendente. “É uma experiência psicológica, espiritual e
musical. O Dark side… é um exemplo disso, porque é um disco enigmático e
tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo”, resume o dentista
Cristiano Halterberck. Já o economista Rafael Máximo se lembra de pedir
ao padrinho colocar o ‘LP do triângulo’ para tocar quando tinha apenas 8
anos e, hoje, repete a história com o filho de 3 anos.
O amigo
Luiz Gustavo Silva destaca que não só este disco como outros trabalhos
da banda viraram referências para muitos artistas e grupos no mundo
inteiro, inclusive do Brasil, como o próprio Clube da Esquina, O Terço,
14 Bis e Secos e Molhados. “Com certeza, eles foram influenciados e a
gente vê essa sonoridade do Pink Floyd, inclusive do Dark side…,
presente hoje em dia”, pontua.
Os amigos estiveram no show The
dark side of the moon, apresentado por Roger Waters, no Rio de Janeiro,
em 2007. O jornalista Gustavo Miranda saiu do show em transe e aos
prantos. “Foi uma catarse. Chorei muito porque era a primeira vez que
via o show da minha banda favorita. Era a realização de um sonho”,
recorda.
Prisma mágico
The dark side of the
moon tem uma das capas mais fortes e icônicas da história. O prisma
decompondo o raio de luz em um espectro de cores é criação do designer
Storm Thorgerson, que chegou a ir até o Egito para pesquisar o clima das
pirâmides. No livro The dark side of the moon – Os bastidores da
obra-prima do Pink Floyd, de John Harris, Thorgerson explica que a
imagem representa tanto a diversidade como a clareza do som da música, e
que o triângulo seria o símbolo da ambição, do poder e também da
reflexão, temas com que Roger Waters se preocupava e que estão presentes
no LP. “Além disso, acho que a imagem de um ponto singular
refratando-se naquelas belas cores era também simbólico: de um grupo
único saíam cores multíplices”, explicou o designer.
Números do disco
50 milhões
de cópias vendidas
250 mil
exemplares são vendidos a cada ano
741
semanas consecutivas (14 anos) nas paradas da Billboard
33%
dos ingleses têm The dark side of the moon em casa
Em busca da mesma emoção
Ana Clara Brant
Interpretar
as 10 canções do álbum (Speak to me, Breathe, On the run, Time, The
great gig in the sky, Money, Us and them, Any colour you like, Brain
damage e Eclipse) é um desafio para qualquer banda ou músico,
principalmente para os que se propõem a covers do Pink Floyd. Até
porque, na época das gravações, The dark side of the moon incorporou as
mais avançadas técnicas de estúdio, inovando em termos tecnológicos com o
uso de sintetizadores e sons diferenciados como o looping de moedas
caindo, pessoas gargalhando e batidas do coração.
O vocalista e
guitarrista da banda Pink Floyd Reunion (PFR), Marcelo Canaan, diz que
para o músico o disco não traz mais dificuldades técnicas do que os
demais do Pink, porém o grande desafio é replicar sua sonoridade única.
“Eles utilizaram teclados e uma aparelhagem enorme, que é muito antiga e
hoje praticamente não existe. Não é fácil reproduzir esse som nos
tempos atuais, por isso fazemos um trabalho de pesquisa de áudio e de
som muito grande para chegar nessa sonoridade. Parte dos equipamentos
que usamos é importada da Inglaterra ou de colecionadores. A outra parte
é de simuladores, computadores e aparelhos mais modernos”, revela
Marcelo, que, junto com o PFR, tem show marcado para dia 16, no
Stonehenge Rock Bar.
A mesma preocupação é esboçada pelo líder da
Ummagumma The Brazilian Pink Floyd, Bruno Morais. O vocalista e
guitarrista da banda – que tem como logomarca três primas, já que são de
Três Pontas e prestam uma homenagem não só à terra natal como à capa do
The dark side…–, costuma se inspirar na frase dita por Roger Waters
quando estava produzindo o disco: “Não tem nada de plástico nisso. É
tudo guiado pela emoção”. “Estamos sempre buscando evoluir, tanto na
parte musical quanto no visual dos shows. A sonoridade, os timbres, os
efeitos sempre foram e ainda são uma das minhas maiores preocupações.
Procuro me aproximar ao máximo do original. O desafio está em apresentar
a mesma emoção presente no disco”, frisa. O Ummaguma também faz show no
dia 16, no Palácio das Artes.
Mágico de Oz Uma das várias lendas
que envolvem o disco é sua relação com O mágico de Oz. Quando o álbum é
tocado simultaneamente com o filme, de 1939, ocorrem sincronizações
entre as duas produções. O som da caixa registradora no princípio da
faixa Money aparece exatamente quando Dorothy (Judy Garland) pisa pela
primeira vez na estrada dos tijolos amarelos; que é também o momento em
que o filme passa de preto e branco para colorido. Há outras
correspondências no disco. Os integrantes do Pink Floyd sempre afirmaram
que tudo não passa de coincidência. “É como se o filme fosse um clipe
ambientado exatamente para o disco. Este ano, aproveitando os 40 anos do
álbum, vamos tocar o disco na íntegra em alguns shows e colocar um
telão no palco exibindo O mágico de Oz”, revela Marcelo Canaan,
vocalista e guitarrista da Pink Floyd Reunion.
Momento histórico
Arthur G. Couto Duarte
Ainda que 1973
também tenha registrado a irrupção de obras-primas do porte de Lark’s
tongues in a spic (King Crimson), Berlin, (Lou Reed), Tubular bells,
(Mike Oldfield) Selling england by the pound (Genesis) e Raw power (Iggy
& The Stooges), nenhum outro disco lançado ao longo daquele ano foi
capaz de conquistar seu lugar nos anais do rock – e lá permanecer,
incólume, como o intrigante e resoluto monólito sônico que ainda é – com
a mesma força impactante de The dark side of the moon. Autêntico
divisor de águas na trajetória do Pink Floyd, o disco se apropriaria da
ideia do “álbum conceitual” embrionariamente aventada pelos Beatles em
seu Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Band para forjar uma fantástica
criatura jamais vista ou ouvida até então.
Para além do
icônico prisma e do feixe de luz branca a se refratar nas múltiplas
cores que os designers visionários da Hipgnosis cravariam em sua capa,
The dark side of the moon permaneceu no imaginário de seguidas gerações
graças ao seu poder de síntese; a combinação idílica da experimentação
avant-garde, arrojada instrumentação de ins(piração) lisérgica,
pretensão sinfônica, inovação eletrônica e acessibilidade pop perseguida
por Roger Waters, David Gilmour, Richard Wright, Nick Mason e o
espectro louco de Syd Barrett desde quando irromperam pelo underground
londrino, no início de 1966.
Ex-estudantes de artes plásticas e de
arquitetura um dia tocados pelo desejo de criar “música em cores”, em
Dark side... seus criadores finalmente conseguiriam dar plena vazão ao
seu intento. Integrado a ponto de ser praticamente impossível imaginar
qualquer uma de suas 10 faixas fora da sequência ou do contexto
originais, o álbum literalmente incandesce enquanto justapõe temas de
isolamento, estresse, medos cotidianos, ambição, envelhecimento, loucura
e morte. Tudo imantado por inauditas técnicas de gravação e mixagem
quadrafônicas, hipnóticos loops, rajadas de sintetizadores VCS3,
reverberações espaciais, iridescentes solos de guitarra, arroubos de
virtuosismo vocal, suntuosas passagens instrumentais ao gosto
progressivo, efeitos delay e toda sorte de ruídos supostamente
aleatórios.
Referenciando-se no inconsciente para jogar luz no
“lado escuro” do ser humano, o oitavo álbum do Pink Floyd confirmou sua
magnitude por meio de sucessivos relançamentos em incontáveis formatos
que ultrapassaram 50 milhões de cópias vendidas. Tal sucesso sem
precedentes custou caro ao grupo. Esvaziado pela concepção de Dark
side..., Pink Floyd ainda se manteve de pé por algum tempo. Porém, a
paranoia megalomaníaca de Roger Waters e disputas internas levariam à
sua cisão, em meados de 1986. Triste ironia: nesta era de misantropia
hi-tech em que a informação multimídia distribuída em rede por meio de
pacotes e o download de músicas isoladas imperam sem maiores
questionamentos, a mera constatação da permanência de um fenômeno
musical da dimensão de The dark side of the moon talvez seja algo
inconcebível para boa parte da humanidade.
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