sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Enxaqueca muda as estruturas do cérebro‏

Estudo indica que a desordem neurológica aumenta as chances de lesões na área responsável pela comunicação entre os neurônios e pode alterar o tamanho de um dos principais órgãos do corpo humano 


Bruna Sensêve

Estado de Minas: 30/08/2013 


A enxaqueca pode causar mudanças estruturais permanentes no cérebro. A conclusão é de um grupo de pesquisadores da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, que se baseou em uma meta-análise de 19 trabalhos focados na desordem neurológica que atinge entre 10% e 15% da população mundial. Segundo os dados reunidos, a enxaqueca aumenta o risco de lesões cerebrais na substância branca em 34%. No caso da enxaqueca com aura — tipo mais grave da doença — , o número sobe para 68%, em comparação a pessoas que não têm o problema. Alterações de volume do cérebro também são mais comuns em vítimas da enxaqueca com aura do que em indivíduos saudáveis.
Foram avaliados os resultados obtidos em seis estudos populacionais e outras 13 pesquisas baseadas em análises clínicas para concluir o que já era uma suspeita da comunidade médica. O principal instrumento de análise dos pacientes foi a ressonância magnética, que pode medir lesões cerebrais, anormalidades silenciosas ou alterações de volume do cérebro em detalhe. “Tradicionalmente, a enxaqueca tem sido considerada uma doença benigna, sem consequências a longo prazo para o cérebro. Mas nosso trabalho de revisão e meta-análise sugere que a doença pode alterar permanentemente a estrutura do cérebro de várias maneiras”, explica Messoud Ashina, um dos autores do artigo publicado nesta semana na revista Neurology, da Academia Americana de Neurologia.
Os exames de imagem são pedidos regulares de neurologistas a pacientes com enxaqueca. O objetivo, normalmente, é excluir causas secundárias para as dores de cabeça; mas, muitas vezes, eles revelam anormalidades na substância branca cerebral e, não raro, também mostram lesões com características similares às causadas por um infarto do miocárdio ou um acidente vascular cerebral — eventos cardiovasculares em que há uma interrupção da irrigação sanguínea ao cérebro. Os dois tipos de anormalidades são uma fonte de preocupação tanto para os neurologistas quanto para o paciente.
“Dados emergentes relatam que pacientes com enxaqueca têm um risco aumentado para lesões cerebrais clinicamente silenciosas e alterações volumétricas, detectadas na ressonância magnética. O significado patogênico e clínico dessas anormalidades, porém, ainda não é claro”, diz Ashina. O estudo do qual ele faz parte também indicou que as chances de anormalidades similares às causadas por um infarto aumentam em 44% para pessoas que têm enxaqueca com aura.

Impacto repetitivo Os pesquisadores relatam que as anormalidades na substância branca, em alguns casos, se tratam de gliose, desmielinização e perda de axônios (leia  Saiba Mais). Esse conjunto de resultados atribuídos na grande parte das vezes a um dano microvascular pode ter bases semelhantes quando percebidos em pessoas com enxaqueca. Os autores examinaram a relação entre a frequência do ataque e as anormalidades nessa região cerebral e sugerem que o problema poderia surgir devido a um impacto cumulativo de repetidos episódios de isquemia cerebral regional, algo como uma trombose, durante um ataque de enxaqueca.
Chefe do setor de cefaleia do Departamento de Neurologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Deusvenir de Souza Carvalho explica que a alteração de volume cerebral normalmente aponta para uma atrofia do órgão, que corresponde, em grande parte, a casos de demência. Carvalho ressalta, porém, que não é necessário se alarmar com os resultados, uma vez que as consequências dessa atrofia para a enxaqueca ainda não estão tão claras.
“Esses resultados mostram que pessoas com enxaqueca têm estruturalmente algo no cérebro. Fora da crise, elas têm uma vida dentro dos padrões normais, mas, se for feito um exame mais refinado, é possível perceber que a atenção já não está tão boa. Elas têm mais dificuldade de lidar com coisas novas e maior ansiedade, funções que ficam entre o neurológico e o emocional exatamente pelo envolvimento da substância branca”, explica.
A integridade da substância branca garante que conexões entre as áreas do cérebro — feitas principalmente pelos axônios dos neurônio — não sejam comprometidas. Por exemplo, para saber se um rosto é conhecido, o cérebro precisa conectar diversas áreas, como a memória e a visão. Alterações na substância branca podem levar a modificações nessas funções. “São números pequenos que não chegam nem a dobrar o risco, mas que estatisticamente mostram a existência disso e serve para estarmos em alerta que a pessoa com enxaqueca não está só tendo crises que podem ser resolvidas procurando assistência médica. Estamos vendo que a enxaqueca não é só ter dor de cabeça”, pondera Carvalho.

Mais grave A enxaqueca com aura é mais dramática que o tipo normal. Durante a crise, o paciente não tem só dor de cabeça. Ele vê luzes brilhantes, percebe o corpo formigar, perde metade da visão, vê os braços ou as pernas ficarem mais fracos ou até anestesiados. Essas manifestações neurológicas durante a crise indicam que, durante as dores de cabeça, a região cerebral responsável pela alteração sentida pelo paciente, como o formigamento ou a anestesia, está sofrendo.
“Hoje, já se sabe que esse sofrimento é neuronal. É um mecanismo neuroquímico que leva à inflamação e a uma má oxigenação nessa área. Por isso fica com uma lesão como se fosse um derrame, uma isquemia”, explica Carvalho. No momento da crise, acontece uma disfunção da oxigenação nessa região, que sofre efeitos parecidos aos causados por um infarto. “Se isso acontece com maior frequência, é possível que o paciente já comece a apresentar algumas alterações.”

Causas distintas


A gliose é uma alteração da substância branca do cérebro geralmente decorrente de doença ateroesclerótica — a formação de placas de ateroma na parede das artérias. Já a doença desmielinizante é qualquer enfermidade do sistema nervoso na qual a bainha de mielina dos neurônios é danificada. Isso prejudica a condução de sinais nos nervos afetados, causando prejuízos na sensação, no movimento, na cognição e em outras funções dependendo dos nervos envolvidos. A degeneração axonal é o resultado da destruição primária do axônio, com desintegração da bainha de mielina dele. A lesão do axônio pode advir de um evento focal, que acontece em algum ponto ao longo da extensão do nervo (como um traumatismo ou mesmo um evento isquêmico); ou de uma anormalidade mais generalizada, que afeta o corpo celular neuronal (neuronopatia) ou seu axônio (axonopatia).

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