No limite
Triz, novo espetáculo do Grupo Corpo, tem estreia nacional sexta-feira, no Palácio das Artes. Coreografia de Rodrigo Pederneiras foi criada a partir de trilha sonora composta por Lenine
Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 27/08/2013
Espetáculo com marcações rígidas e quebras, figurino em preto e branco e cenário feito com cabos de aço, Triz traduz no palco a metáfora da superação |
Tudo em torno de Triz, novo espetáculo do Grupo Corpo, que estreia na sexta-feira, às 20h30, no Grande Teatro do Palácio das Artes, se deu em torno do coreógrafo Rodrigo Pederneiras. Tímido, de personalidade introspectiva e acostumado aos bastidores, ele virou o centro das atenções quando, prestes a iniciar o processo de criação, em fevereiro, teve de passar por uma cirurgia de reconstituição de um tendão do ombro e de dois músculos de seu braço esquerdo (o bíceps e o subescapular). Quando se preparava para retornar, em maio, rompeu o menisco do joelho esquerdo. Só depois de se submeter a nova cirurgia pôde dar início aos trabalhos, ainda assim com a perna imobilizada. A situação ficou tensa.
Com a estreia da turnê nacional e internacional já fechada e sem condições de coreografar o novo balé, reinventou o método de trabalho. Se até então criava no próprio corpo os movimentos para mostrá-los aos bailarinos, com a limitação física momentânea teve que verbalizar suas concepções para o balé. Aí a dificuldade aumentou e o coreógrafo e os bailarinos viveram meses no limite.
Triz, com música especialmente composta por Lenine, é, em linhas gerais, o oposto da festiva, leve e solta coreografia de Parabelo, de 1997, com trilha assinada por Tom Zé e José Miguel Wisnik, que abre o programa da noite. A 34ªcriação do Corpo cumpre, desta vez, uma agenda nacional atípica, por causa do adiamento em um mês da estreia. Primeiro vai ser apresentada em BH, terra natal do grupo, retomando a tradição dos primeiros anos de atividade da companhia, para só depois subir ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro (8 a 11 de setembro) e, em novembro, entre 20 e 29, entrar em cartaz no Teatro Alfa, em São Paulo, palco de estreias nacionais dos espetáculos mais recentes.
No meio da temporada, será feita uma pausa no novo espetáculo para turnês no Sudeste Asiático, em Bangcoc (6 de outubro) e Cingapura (11 e 12 de outubro), com apresentações de Sem mim e Onqotô; e, no Leste Europeu, em Moscou (16, 17 e 18 de outubro), quando serão exibidas Sem mim e Parabelo.
A limitação física do coreógrafo e a tensão inspirou a todos. “Ficou tudo atrasadíssimo e, quando não tinha mais jeito, tive que criar”, lembra Rodrigo. Quando começou, mal andava e diante das dificuldades extremas surgiu a ideia de um balé que se chamaria, até então, Limite. “A proposta era essa: tínhamos todos que ultrapassar os limites”, recorda.
A sensação de desassossego dominou a cena, até que, num determinado momento, a bailarina Carol Raslan, novata no grupo, expressou a opinião em voz alta diante da experiência: “Vivemos meses por um triz”. A fala conseguiu sintetizar todo processo criativo e, finalmente, o novo balé ganhou o nome definitivo. Ao contrário da maioria das coreografias do Corpo, que mesmo depois da estreia vão recebendo ajustes, desta vez, após tanto sufoco, a uma semana da estreia estava concluída a versão definitiva. Com o aperto, Rodrigo Pederneiras chegou à síntese.
Sem cores
Triz é apresentado num cenário de Paulo Pederneiras inspirado em formas geométricas. Todo fundo de palco e as laterais foram preenchidas com 15 quilômetros de cabos de aço suspensos, numa alusão à trilha de Lenine, composta somente com instrumentos de cordas. Eles foram tensionados e agrupados em módulos de 100 fios, com altura de 5,5 metros, preenchendo toda a caixa cênica, à exceção de fendas assimétricas nas laterais e no fundo, de onde entram e saem os bailarinos.
A luz também tem que driblar as frestas, num raciocínio semelhante ao imposto aos bailarinos, que dançarão limitados por passarelas, como corredores impressos no piso. O traçado será ora respeitado, ora ultrapassado. “O início do balé se dá dentro desse limite e, de repente, quando eles saem, os limites desaparecem. Em seguida, voltam ao limite”, explica. O figurino persegue o mesmo clima. “Não há cores. É preto e branco. A Freusa Zechmeister conseguiu uma síntese maravilhosa”, avalia Rodrigo.
De uns tempos para cá, quando é desafiado a criar, o coreógrafo, por vontade própria, se coloca em algumas sinucas. Mesmo com os problemas em volta, em vez de simplificar, resolveu complicar. “Em meus espetáculos não uso trios, acho-os previsíveis, mas dessa vez resolvi fazê-los em praticamente todo balé. Mas resolvi cortá-los ao meio, desfazendo-os e, de tempos em tempos, intercalando com duos femininos.”
O processo, também pelas limitações físicas, foi bastante colaborativo. “Muita coisa foi criada pelos bailarinos. Viram minha dificuldade – levava até 15 minutos para subir as escadas até o palco – e resolveram ajudar. O sentimento se disseminou. Houve uma cumplicidade enorme e hoje o astral está no teto.” O clima certamente ajudará. “Com medo de não conseguir fazer, extrapolei os limites da velocidade do movimento, criando um balé cheio de coisas, com essa ideia de urgência. Os bailarinos ficam completamente no limite em cena e, para executar os movimentos, têm que ter atenção redobrada. Outro dia um deles brincou que, se perder um movimento, só consegue recuperar no próximo espetáculo.”
Palavra de Rodrigo
Opostos
“Enquanto Parabelo é completamente solto, tem muita ginga de bacia, xaxado e bater do pé, a nova coreografia, Triz, é o oposto. É mais marcada, traz uma movimentação mais rígida, que, constantemente, é quebrada. É algo totalmente proposital.”
Inspiração
“A ideia opressora do limite deixou a condição de adversidade para alçar o status de tema central e metáfora maior do balé. Outra fonte de inspiração foi a sensação de estar sob a mira da mitológica espada de Dâmocles, suspensa por um tênue fio de crina de cavalo.”
Trilha
“Lenine, em 38 minutos, em 10 temas musicais, usa as cordas polirrítmicas como inspiração. Do berimbau à balalaica, do violino ao violão, da cítara à rabeca, da tambura ao bandolim. O cortejo de cordas que povoa e imprime relevo à tessitura musical de Triz – assim como o tema central – tem suas possibilidades sonoras exploradas até as últimas consequências.”
Triz
Estreia nacional do novo espetáculo do Grupo Corpo. Sexta e sábado, às 20h30, e domingo, às 19h, no Grande Teatro do Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). A mesma coreografia será apresentada na terça, dia 3, às 20h30. Classificação: livre. Ingressos: R$ 80 (inteira). Informação: (31) 3236-7400.
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