Estado de Minas: 27/08/2013
Um dos meus cineastas
de cabeceira é o polonês Kieslowski, autor da magnífica trilogia das
cores (A liberdade é azul, A igualdade é branca e A fraternidade é
vermelha). Ele viveu apenas 54 anos, mas deixou uma obra fílmica de
grande beleza e densidade, capaz de provocar rebuliços internos em quem
tem o privilégio de vê-la.
Na semana passada, resolvi revisitar, em DVD, sua série de 10 filmes intitulada Decálogo, feita para a televisão polonesa em 1988, sob a inspiração dos dez mandamentos. Ambientados na Polônia dos anos 1980, os filmes tratam de diferentes conflitos morais e dramas familiares, a partir de uma visão que mescla sensibilidade, ética e ironia. Além dessa série, o álbum ainda traz uma entrevista com o cineasta e um breve curta-metragem (de seis minutos) sobre o inferno da burocracia e seus efeitos nocivos na vida das pessoas que dela dependem.
Tendo que lidar, ultimamente, com desafios burocráticos de todo tipo, fiquei bastante tocada por esse filme. Nele, vários idosos em busca de uma aposentadoria enfrentam filas para um embate sem solução com a funcionária impassível e bitolada de uma instituição estatal. Cada caso de cada idoso é mais absurdo que o outro. Ninguém consegue resolver nada, por causa das exigências intermináveis. A cada entrega de documentos, outros formulários, declarações, certidões e registros são solicitados. Na sala dos fundos, pilhas de papeis se acumulam nas prateleiras que ocupam todas as paredes. Nada funciona e tudo se complica, para o desespero das pessoas. É uma cena que lembra as páginas de um livro de Franz Kafka – escritor que soube lidar, como nenhum outro, com o absurdo da burocracia que controla nossa existência.
O fato é que a burocracia, mesmo em nossos tempos computadorizados, continua atormentado a vida de todo mundo. Anos atrás, cheguei a pensar que os computadores pudessem mudar essa situação para melhor. Mas não. Parece que a máquina burocrática das instituições só tem aumentado, apesar de todo o avanço tecnológico atual. Os formulários, agora digitais, só se multiplicam. Uma pessoa, para nascer, viver e morrer, tem – cada vez mais – que ser transformada em números e inserida na realidade (ou virtualidade) dos protocolos, cadastros, atestados, declarações, certidões e registros. O inferno kafkiano entrou na era digital. Agora se chama “O Sistema”. E para quem não maneja os computadores, como acontece com grande parte da população brasileira, tudo fica ainda mais absurdo.
Penso, particularmente, na burocracia da morte. Não basta a dor causada pela perda de um ente querido, mas as pessoas ainda têm que lidar, em meio à tristeza, com inesperadas (e, por vezes, cruéis) exigências burocráticas. Um enterro, por exemplo, pode atrasar muito se o registro do atestado de óbito não for feito dentro das condições impostas. E o atestado pode não ser emitido a tempo se os papéis não estiverem todos à mão, naquela hora. Mesmo depois disso, a loucura dos registros, fichas e cadastros continua. Ninguém consegue viver seu luto em paz.
Um livro de Kafka ou o filme de Kieslowski é sempre bem-vindo nesses momentos. Com eles podemos aprender a suportar, com mais ironia, esse mundo dos números e formulários que consome nossas vidas.
Na semana passada, resolvi revisitar, em DVD, sua série de 10 filmes intitulada Decálogo, feita para a televisão polonesa em 1988, sob a inspiração dos dez mandamentos. Ambientados na Polônia dos anos 1980, os filmes tratam de diferentes conflitos morais e dramas familiares, a partir de uma visão que mescla sensibilidade, ética e ironia. Além dessa série, o álbum ainda traz uma entrevista com o cineasta e um breve curta-metragem (de seis minutos) sobre o inferno da burocracia e seus efeitos nocivos na vida das pessoas que dela dependem.
Tendo que lidar, ultimamente, com desafios burocráticos de todo tipo, fiquei bastante tocada por esse filme. Nele, vários idosos em busca de uma aposentadoria enfrentam filas para um embate sem solução com a funcionária impassível e bitolada de uma instituição estatal. Cada caso de cada idoso é mais absurdo que o outro. Ninguém consegue resolver nada, por causa das exigências intermináveis. A cada entrega de documentos, outros formulários, declarações, certidões e registros são solicitados. Na sala dos fundos, pilhas de papeis se acumulam nas prateleiras que ocupam todas as paredes. Nada funciona e tudo se complica, para o desespero das pessoas. É uma cena que lembra as páginas de um livro de Franz Kafka – escritor que soube lidar, como nenhum outro, com o absurdo da burocracia que controla nossa existência.
O fato é que a burocracia, mesmo em nossos tempos computadorizados, continua atormentado a vida de todo mundo. Anos atrás, cheguei a pensar que os computadores pudessem mudar essa situação para melhor. Mas não. Parece que a máquina burocrática das instituições só tem aumentado, apesar de todo o avanço tecnológico atual. Os formulários, agora digitais, só se multiplicam. Uma pessoa, para nascer, viver e morrer, tem – cada vez mais – que ser transformada em números e inserida na realidade (ou virtualidade) dos protocolos, cadastros, atestados, declarações, certidões e registros. O inferno kafkiano entrou na era digital. Agora se chama “O Sistema”. E para quem não maneja os computadores, como acontece com grande parte da população brasileira, tudo fica ainda mais absurdo.
Penso, particularmente, na burocracia da morte. Não basta a dor causada pela perda de um ente querido, mas as pessoas ainda têm que lidar, em meio à tristeza, com inesperadas (e, por vezes, cruéis) exigências burocráticas. Um enterro, por exemplo, pode atrasar muito se o registro do atestado de óbito não for feito dentro das condições impostas. E o atestado pode não ser emitido a tempo se os papéis não estiverem todos à mão, naquela hora. Mesmo depois disso, a loucura dos registros, fichas e cadastros continua. Ninguém consegue viver seu luto em paz.
Um livro de Kafka ou o filme de Kieslowski é sempre bem-vindo nesses momentos. Com eles podemos aprender a suportar, com mais ironia, esse mundo dos números e formulários que consome nossas vidas.
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