Estadod e Minas: 10/09/2013
Estamos sempre à
espera de milagres, mesmo sabendo que eles são muito raros ou podem
nunca ocorrer. Afinal, quem somos nós para ter certeza de que existem de
fato? Mas só de desejarmos que eles existam (o que pode levá-los a
realmente existir), já encontramos um enorme consolo para os nossos
desalentos.
Foi Zenóbia quem, um dia, me garantiu que os milagres acontecem quando os desejamos bem lá no fundo. “Nem precisamos ter consciência desse desejo, pois ele fica lá dentro, à nossa revelia, e independe do que possamos pensar dele”, disse ela, ajeitando com a mão direita os fios soltos do cabelo branco, que insistiam em cair-lhe sobre a testa. E como costumo confiar na sabedoria das pessoas muito mais velhas, fiquei com essa frase para poder evocá-la nas horas de desânimo.
Se escrevo agora sobre isso (matéria pouco conveniente para uma crônica de jornal, reconheço), é por culpa do dicionário. Às vezes pego o Aurélio ou o Houaiss e os abro aleatoriamente numa página qualquer. Vejo nisso um exercício interessante não apenas para aprender novas palavras, como também para pensar sobre elas e descobrir seus sentidos fora das definições que lá estão. Ontem mesmo, sem saber sobre o que escrever para a coluna desta terça, peguei o Aurélio, fechei os olhos e o abri ao acaso. A primeira palavra que li na página aberta foi exatamente esta: milagre. Seguida de outras afins: milagreiro, milagrento, milagrosa, milagroso. E imediatamente lembrei-me de Zenóbia, que, no dia da nossa conversa sobre o assunto, mencionou um acontecimento de sua vida, que de tão inexplicável pelas leis da ciência ou da natureza só podia ser considerado um milagre. Ao que ela ainda acrescentou: “Foi algo que só se tornou possível por causa de uma força misteriosa (um desejo fundo?) que eu não sabia que tinha dentro de mim”.
Lembro-me também de ter ouvido Zenóbia falar dos pequenos milagres do dia a dia, esses que dão sentido às coisas mais ordinárias da vida. É sobre esses milagres que os poetas geralmente escrevem. O americano Walt Whitman, por exemplo, fez um belo poema sobre os milagres cotidianos, dizendo que o próprio ato de andar pelas ruas de Manhattan ou ver o leve contorno da lua nova numa noite de primavera já é um milagre. Assim como cada hora de luz ou de treva também é, segundo ele, um milagre. Aliás, creio que Manuel Bandeira soube tratar disso muito bem num poema curto e, de certa forma, irônico, que diz nos últimos versos : “O espaço é um milagre./ A memória é um milagre./ A consciência é um milagre./ Tudo é milagre./ Tudo, menos a morte./ Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.”
Como se vê, milagre pode ser tanto o acontecimento mais raro – por exemplo, quando alguém sobrevive, surpreendentemente, a uma morte quase inevitável – quanto o mais comum, como passear com o cachorro no parque, num dia ameno de sol e poucas nuvens. Tudo depende de quem percebe ou vê o milagre do acontecimento. Agora mesmo, tento vê-lo no próprio ato de escrever quando não se sabe exatamente o que escrever. E é nesse sentido que a crônica de hoje não deixa de ser, também, um milagre. Pelo menos, é o que percebo ou vejo ao chegar a esta última frase.
Foi Zenóbia quem, um dia, me garantiu que os milagres acontecem quando os desejamos bem lá no fundo. “Nem precisamos ter consciência desse desejo, pois ele fica lá dentro, à nossa revelia, e independe do que possamos pensar dele”, disse ela, ajeitando com a mão direita os fios soltos do cabelo branco, que insistiam em cair-lhe sobre a testa. E como costumo confiar na sabedoria das pessoas muito mais velhas, fiquei com essa frase para poder evocá-la nas horas de desânimo.
Se escrevo agora sobre isso (matéria pouco conveniente para uma crônica de jornal, reconheço), é por culpa do dicionário. Às vezes pego o Aurélio ou o Houaiss e os abro aleatoriamente numa página qualquer. Vejo nisso um exercício interessante não apenas para aprender novas palavras, como também para pensar sobre elas e descobrir seus sentidos fora das definições que lá estão. Ontem mesmo, sem saber sobre o que escrever para a coluna desta terça, peguei o Aurélio, fechei os olhos e o abri ao acaso. A primeira palavra que li na página aberta foi exatamente esta: milagre. Seguida de outras afins: milagreiro, milagrento, milagrosa, milagroso. E imediatamente lembrei-me de Zenóbia, que, no dia da nossa conversa sobre o assunto, mencionou um acontecimento de sua vida, que de tão inexplicável pelas leis da ciência ou da natureza só podia ser considerado um milagre. Ao que ela ainda acrescentou: “Foi algo que só se tornou possível por causa de uma força misteriosa (um desejo fundo?) que eu não sabia que tinha dentro de mim”.
Lembro-me também de ter ouvido Zenóbia falar dos pequenos milagres do dia a dia, esses que dão sentido às coisas mais ordinárias da vida. É sobre esses milagres que os poetas geralmente escrevem. O americano Walt Whitman, por exemplo, fez um belo poema sobre os milagres cotidianos, dizendo que o próprio ato de andar pelas ruas de Manhattan ou ver o leve contorno da lua nova numa noite de primavera já é um milagre. Assim como cada hora de luz ou de treva também é, segundo ele, um milagre. Aliás, creio que Manuel Bandeira soube tratar disso muito bem num poema curto e, de certa forma, irônico, que diz nos últimos versos : “O espaço é um milagre./ A memória é um milagre./ A consciência é um milagre./ Tudo é milagre./ Tudo, menos a morte./ Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.”
Como se vê, milagre pode ser tanto o acontecimento mais raro – por exemplo, quando alguém sobrevive, surpreendentemente, a uma morte quase inevitável – quanto o mais comum, como passear com o cachorro no parque, num dia ameno de sol e poucas nuvens. Tudo depende de quem percebe ou vê o milagre do acontecimento. Agora mesmo, tento vê-lo no próprio ato de escrever quando não se sabe exatamente o que escrever. E é nesse sentido que a crônica de hoje não deixa de ser, também, um milagre. Pelo menos, é o que percebo ou vejo ao chegar a esta última frase.
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