quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Marina Colasanti - A moça de nariz vermelho‏

Nunca sei o que fazer quando alguém que me é estranho chora na minha frente 

Marina Colasanti

Estado de Minas: 10/10/2013





Passava distraída diante da vitrine, quando um item, um item pequeno e discreto, só aquele, me chamou. Dei mais dois passos à frente, o chamamento me trouxe de volta, parei, demorei alguns minutos analisando do lado de cá do vidro. É provável que ela tenha visto minha hesitação. Se viu, certamente desejou que eu fosse embora, preferia perder a venda a ter que me atender. Mas entrei.

Reparei que ela estava com o nariz vermelho. Bonita moça, mas de nariz vermelho. Resfriado, pensei. E ela pareceu confirmar, esfregando-o de leve com o dorso da mão. Pedi o item que havia me interessado, experimentei. Ela, atrás do balcão, cabeça baixa, ausente. Só ao dizer que sim, que levaria aquilo que me havia atraído, vi que chorava.


Nunca sei o que fazer quando alguém que me é estranho chora na minha frente. Ignorar me parece desumano. Fazer perguntas é certamente indiscreto. Oferecer ajuda pode soar ridículo, pois como se ajuda quem não se conhece e sofre?
Ela ali, fazendo o embrulho, lágrimas escorrendo, ela sem saber se as enxugava, se fazia conta de nada, e ainda por cima com medo de manchar o delicado papel do embrulho. Para evitar o desastre, puxou a cabeça para trás.


Sofre por amor, pensei. E tentar adivinhar a razão daquele pranto era minha maneira calada de ajudar ou de ser, pelo menos, solidária. Ele a deixou ou a traiu, pensei ainda, e ela que havia posto tanta esperança, tanto empenho nesse encontro, nesse amor, agora se vê desamparada, seu Titanic afundou, deixando-a sem colete salva-vidas. Adiante, certamente, há uma costa, mas com esses olhos cheios d’água e na escuridão em que se encontra, não há como vê-la, não há nem como pensar que bastará nadar.


Quando sair levando meu embrulho, pensei enquanto digitava a senha do cartão de crédito, esta moça de nariz vermelho pegará o celular e, na loja vazia, na loja felizmente vazia, ligará para sua amiga e aos prantos repetirá tudo o que já lhe disse de manhã ao chegar, ou ontem, quando o mar começou a entrar pelas escotilhas. Depois ligará para outra e dirá as mesmas coisas novamente, com as mesmas palavras, aquelas que não lhe permitem ficar calada. E dirá como foi duro vir hoje para o trabalho, enfrentar a condução, abrir a loja, e que sorte que é dia de pouco movimento no shopping, tomara que não entre mais ninguém, como aquela senhora que saiu agora e a viu chorando porque não deu para segurar. Que ninguém mais lhe peça nada hoje, porque hoje ela não tem condições de dar nada a ninguém, tudo o que tinha de importante lhe foi tomado e ela quer de volta o que é seu ou que pensou fosse seu, o quer desesperadamente de volta.


Me despeço, ela murmura alguma coisa, mais de alívio pela minha partida do que de agradecimento, e sem ter-lhe estendido a mão, sem ter-lhe deixado nem sequer perceber meu carinho, eu a abandono.


Mas algo desse choro ficou em mim, e chegando em casa conto tudo ao meu marido, o nariz vermelho da moça, as lágrimas, o medo dela de manchar o embrulho. “Vai ver tinha sido despedida”, diz ele, mudando com um sorriso e uma única frase todo o quadro romântico que eu havia construído. “Estava chorando e tratando-a com desatenção porque era o último dia de trabalho dela e uma venda a mais ou a menos não faria a menor diferença.”

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