Sutura com células-tronco cicatriza em três dias
Técnica desenvolvida na Unicamp, e já patenteada, foi testada em cobaias,
indicando sucesso num processo de cura de feridas que pode levar até 10 semanas
Marinella Castro
Estado de Minas: 21/10/2013
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Uma espécie de costura cicatrizante, que pode tratar feridas de forma mais rápida e eficaz, foi patenteada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde pesquisadores conseguiram introduzir no intestino de animais um fio cirúrgico colado com células-tronco. A primeira etapa da pesquisa, com testes em animais, demonstrou que a tecnologia provoca uma aceleração no tempo de cicatrização das feridas abertas no intestino de ratos. Em três dias os ferimentos cicatrizaram em torno de 70%, quando normalmente o processo pode levar 10 semanas. A novidade do estudo foi conseguir utilizar um fio cirúrgico que funciona como carreador da célula-tronco, agente da reconstrução do tecido. A descoberta pode reduzir o tempo de hospitalização dos pacientes e também evitar que feridas dolorosas se abram novamente. O experimento pode ter diversas utilizações na medicina, como na cirurgia plástica.
Na prática, os animais receberam pontos (sutura) ao redor do local da lesão. O resultado da "costura" surpreendeu. A regeneração do tecido foi bem mais rápida que a obtida por meio de recursos convencionais, além de em alguns casos não deixar marcas, fechando 100% o ferimento. O método também se mostrou mais eficaz do que o processo já testado por pesquisadores espanhóis, onde em vez da sutura foram aplicadas injeções de células-tronco no local do ferimento. "Em três dias os fios com células-tronco provocaram uma regeneração das feridas da ordem de 70%. Em 21 dias as feridas haviam reduzido em 90% ou fechado totalmente", explica Ângela Cristina Luzo, professora da pós-graduação em ciências da cirurgia na Faculdade de Medicina da Unicamp, que orientou o aluno Bruno Bosch Volpe na pesquisa, resultado de seu curso de mestrado.
O fio de sutura usado no experimento da Unicamp é enriquecido com células mesenquimais. "São células-tronco adultas, encontradas em todos os tecidos do organismo humano, sendo suas principais fontes a medula óssea, o sangue do cordão umbilical e o tecido adiposo", ressalta Volpe. De acordo com o estudante a adoção do material na terapia celular vem crescendo muito, uma vez que essas células apresentam um cultivo fácil, além de ter crescimento rápido. "Também não enfrentam os problemas éticos que encontramos nas células-tronco embrionárias", diz.
Outro ponto importante da pesquisa destacado por Ângela Luzo é o benefício alcançado depois da sutura, já que no processo as células se descolam, saem do fio provocando a cicatrização. "As células mesenquimais podem ter se transformado em outras células ou liberado substâncias que propiciaram a diminuição do processo inflamatório e melhor vascularização na área e ativaram as células-tronco do próprio tecido na área afetada, para que se multiplicassem", acrescenta.
A professora diz ainda que o grande desafio do estudo foi conseguir modificar a concentração dos reagentes da cola de fibrina usada para aderir e prender as células no fio cirúrgico. Foram testadas várias concentrações do produto, até que se chegasse a um resultado ideal. "Com a mudança da concentração, conseguimos que um grande número de células ficassem aderidas aos fios e que elas fossem transferidas do fio para o local da lesão", enfatiza Bruno Volpe.
De acordo com a pesquisadora, as células-tronco são obtidas do próprio organismo do paciente em um processo simples, como a lipoaspiração. "O tecido gorduroso é uma fonte de células-tronco." O próximo passo do estudo será desenvolvido no trabalho de doutorado do pesquisador Bruno Volpe, quando será avaliado o processo de liberação de substâncias pela célula que melhoram a vascularização dos tecidos. "Vai ser investigado também qual processo ocorreu na cicatrização, se foram liberadas substâncias ou se a célula se diferenciou", adianta.
A primeira etapa do doutorado vão ser os testes em humanos, passo fundamental para que o método seja utilizado pelo mercado. "Assim que tivermos a liberação do comitê de ética, iniciaremos os testes", conta o pesquisador. Como nas feridas intestinais (fístulas) estudadas já houve a aplicação de células-tronco na Espanha, a expectativa é que a liberação do teste em humanos seja mais rápida. Os efeitos provocados pelas células-tronco vão ser pesquisados pelo Grupo Multidisciplinar de Terapia Celular da Unicamp, na tese de doutorado de Bruno.
A expectativa é que quando estiver acessível à medicina, a nova tecnologia permita que o tratamento para as feridas seja mais simples e menos doloroso, reduzindo o tempo de recuperação dos pacientes e melhorando a qualidade de vida, uma vez que a ferida aberta degrada a saúde, provocando problemas como a perda de peso e a desidratação. Estima-se que em média 2% dos pacientes submetidos a cirurgias no intestino desenvolvam esse tipo de fístula que serviu como base para os estudos, mas esse número pode chegar a 20% no caso de pacientes de risco, que fazem uso de medicamentos imunossupressores, debilitados pelo câncer ou são portadores de algumas doenças específicas.
SAIBA MAIS
Passo a passo
No experimento da Universidade de Campinas (Unicamp), todos os ratos tinham fístulas intestinais do mesmo tamanho. Os ferimentos foram acompanhados diariamente com o apoio de um programa de computador capaz de avaliar, por milímetro quadrado, a regeneração dos tecidos da área afetada. O grupo de cobaias que não recebeu nenhum tipo de tratamento apresentou pouca evolução depois de 21 dias. No outro grupo, que recebeu as células-tronco, semelhante ao realizado por pesquisadores espanhóis, com aplicação das células no local do ferimento, a recuperação foi de 70% (da área afetada pela fístula). Com a aplicação do fio, no mesmo período, a recuperação média ficou em 90%. Três dos nove ratos que receberam a sutura enriquecida tiveram de fato cicatrização completa durante
o período observado.
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