sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Eduardo Almeida Reis - Mundo fashion‏

Mundo fashion 
 
Clássico e conservador em tudo, reservo-me o direito constitucional de ter um pinguim em cima da geladeira



Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 29/11/2013

O caro, preclaro e pacientíssimo leitor mineiro, se visitar São Paulo, pode voltar vestindo uma jaqueta de couro estilo aviador dos anos 1940, com a moleira sob proteção de legítimo capacete da Segunda Guerra Mundial, trazendo bonecos de ventríloquos do início do século 20 para encantar seus filhos e netos exibindo sua ventriloquia.

Em Sampa deve visitar uma antiga oficina mecânica, quase no final da Rua Oscar Freire, longe do burburinho da rua mais badalada da cidade, onde fica a loja À La Garçonne, brechó de Fábio Souza. Se tiver sorte, encontrará o dono, barbado, bigodudo e cabeludo, marido de papel passado e aliança no dedo de Alexandre Herchcovitch, como aprendi na matéria de Jacqueline Costa, publicada na página 12 do caderno Ela, de O Globo, edição de 26 de outubro.

O que o leitor talvez não saiba é que o marido de Alexandre morou na capital mineira há sete anos, onde teve a lojinha Belory Hills, uma brincadeira com Belo Horizonte e Beverly Hills. Numa de suas viagens a São Paulo conheceu o rapaz com quem se casou.

O brechó da Oscar Freire tem mais de 3.500 peças à venda. As roupas são lavadas numa lavanderia industrial antes de primorosamente expostas no brechó. Há vestidos Chanel e Courrèges. E os coturnos, quanto mais gastos mais caros.

Presumo que um cavalheiro sério faça o maior sucesso entre as senhoras belo-horizontinas se aparecer de coturnos rotos, vestido Chanel em cross dressing, capacete da Segunda Guerra Mundial e jaqueta de couro estilo aviador dos anos 40. Não li Cinquenta tons de cinza, mas duvido que de coturnos e capacete de aço, com vestidinho Chanel, não sejam irresistíveis. Se estiver quente, pode levar a jaqueta de couro na mão. E seja o que os deuses quiserem.


Idiomáticas

Ricardo Pereira, nascido em Lisboa no dia 14 de setembro de 1979, mora no Brasil há 10 ou 12 anos e fala brasileiro sem sotaque. Em casa, com sua mulher, fala o português de Portugal, assim como nas suas visitas ao país natal, onde esquece o gerúndio e sempre diz “dá-me esta xícara” quando se dirige aos patrícios. Se disser “me dá esta xícara” corre o risco de não ser entendido ou de levar com a xícara nos cornos.

Diz o ator que o português e o brasileiro são duas línguas, como, aliás, se vê no Dicionário Contrastivo Luso-Brasileiro, de Mauro Villar, sobrinho de Antônio Houaiss. Grata surpresa, para mim, foi a notícia de que no Rio de Janeiro se fala o legítimo português arcaico, anterior às invasões europeias que ocorreram em Portugal.

Durmam com esta os mineiros que criticam o xis do meu déis. Nos 16 anos em que morei em BH aprendi a pronunciar dez, mas voltei ao déis em Juiz de Fora, onde, sabe o leitor, a maresia é danada para esburacar a lataria dos automóveis.


Agente causal

Custei para descobrir o motivo, o agente causal das complicações que andei sofrendo neste ano, a começar pelo 13, que nunca foi número da minha especial afeição. Sei que o leitor conhece os objetos e as manifestações de teor artístico ou estético, que se caracterizam pelo exagero sentimentalista, melodramático ou sensacionalista, frequentemente com a predileção do gosto mediano ou majoritário, e pela pretensão de, fazendo uso de estereótipos e chavões inautênticos, encarnarem valores da tradição cultural.

É a explicação do Houaiss para kitsch, adjetivo de dois gêneros e dois números que entrou em nosso idioma no século passado. Pois muito bem: só outro dia descobri que passei os 10 primeiros meses do ano sem o meu pinguim de geladeira. Geladeira sem pinguim de louça é inadmissível: nada mais kitsch do que um pinguim em cima de uma geladeira. Com a mudança para Juiz de Fora na última semana de 2012, instalaram a geladeira e guardaram o pinguim num armário, crime que já corrigi.

Clássico e conservador em tudo, reservo-me o direito constitucional de ter um pinguim em cima da geladeira. Se soubesse rezar e fosse crente, rezaria pela ave esfenisciforme, da família dos esfeniscídeos, restrita ao hemisfério austral. Dane-se o resto. Adoeci porque esconderam o meu pinguim. Reposto no teto da geladeira, tudo vai entrar nos eixos. Tenho dito e philosophado.


O mundo é uma bola

29 de novembro de 1782: a Grã-Bretanha assina em Paris um acordo preliminar reconhecendo a independência norte-americana. Em 1807, embarque da família real portuguesa para o Brasil noticiado ontem neste mesmo espaço imaculado de nossa mídia impressa. Em 1824, começa a censura para os teatros no Brasil, mais tarde estendida às biografias não autorizadas.

Em 1842, autorizada a emissão de selos postais no Brasil. Em 1877, inauguração da primeira estação telefônica brasileira, obviamente no Rio de Janeiro, considerando que BH ainda não existia. Em 1880, reunião do primeiro parlamento japonês. Em 1897, primeira prova de motociclismo em Surrey, subúrbio de Londres. Em 1899, fundação do Barcelona, onde brilha o jovem senhor Neymar Jr.


Ruminanças

“O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis.” (Platão, 428-348 a.C.)

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