Bruna Sensêve
Estado de Minas: 19/11/2013
Renata come chocolate cinco vezes por semana e não tem problema de peso. Para ela, o doce é fonte de relaxamento e satisfação pessoal |
Depois de colhidos, os frutos do cacaueiro são quebrados e têm as sementes retiradas, fermentadas e secadas ao sol. Ao serem torradas e moídas, produzem uma massa de consistência cremosa e cor bem escura. Essa é a matéria-prima básica para a fabricação do chocolate, que poderá receber os mais diversos ingredientes – como leite, açúcar, aromatizantes e gorduras vegetais – para agradar o paladar dos inveterados chocólatras. O enorme número de adoradores que comemoram a invenção da iguaria ganharam, neste mês, um motivo a mais para celebrar. Em pesquisa publicada na última edição da revista científica Nutrition, cientistas espanhóis concluíram que o consumo de chocolate pode estar associado à diminuição da gordura corporal, especialmente daquela que mais incomoda: a abdominal.
O trabalho investigou o consumo de chocolate por 1.458 adolescentes de nove países europeus, incluindo a Espanha, com idade entre 12 e 17 anos. Os próprios voluntários relataram, em uma plataforma digital, a quantidade do alimento que foi ingerida por dois dias não consecutivos. Os pesquisadores, por sua vez, registraram características fisiológicas de cada participante, como o tamanho da circunferência abdominal, o índice de gordura total, além da altura e do peso – com os quais eles calcularam o índice de massa corporal (IMC). O resultado da análise surpreendeu os pesquisadores.
Os adolescentes com maior consumo de chocolate (em média 42,6g por dia) tiveram os níveis de marcadores de gordura mais baixos, eram mais ativos fisicamente, tinham mais energia e também maior ingestão de gordura saturada. Tudo isso em comparação aos participantes com o menor consumo (em média 4,7g por dia). Os resultados mostraram-se independentes quanto ao gênero, idade, maturação sexual, quantidade total de energia consumida, ingestão de gordura saturada, frutas e hortaliças, assim como da prática de atividade física. Os bons indicadores não são uma exclusividade dos jovens. Um estudo anterior, feito por norte-americanos, relatou que a maior frequência de ingestão de chocolate está ligado a menor IMC também em adultos.
O chocolate é rico em flavonoides, especialmente aqueles conhecidos como catequinas, que têm propriedades antioxidantes, anti-hipertensoras, antiaterogênicas (evita depósito de gordura), antitrombóticas e anti-inflamatórias. “Os dados permaneceram inalterados após o ajuste para alimentos com alto teor de catequinas (frutos, vegetais e chá) ou produtos como o café, que poderiam influenciar a associação observada entre o consumo de chocolate e os marcadores de gordura corporal”, reforça Magdalena Cuenca-Garcia, principal autora do trabalho e professora do Departamento de Fisiologia Médica da Escola de Medicina da Universidade de Granada, na Espanha.
A equipe liderada pela cientista tem como hipótese que esse efeito benéfico pode ser, em parte, devido à influência do chocolate sobre a sensibilidade à insulina e à produção de cortisol. O nutricionista do Instituto Nacional de Cardiologia Marcelo Barros explica que a insulina é o hormônio que leva o açúcar para dentro da célula. “Toda vez que temos uma resistência a ela, existe uma tendência a ganhar peso. Toda vez que acontece o aumento do hormônio cortisol, também vai ter um aumento de peso. Isso já é comprovado”, garante. As catequinas presentes no alimento seriam as responsáveis por diminuir a reação dessas duas substâncias. “São as hipóteses que eles levantam. É um primeiro artigo e serão necessários novos trabalhos para confirmar.”
Pressão controlada A pesquisadora lembra que o consumo de chocolate tradicionalmente tem sido associado ao de doces e, por isso, a uma grande quantidade de calorias e à ausência de nutrientes importantes. “No entanto, relatórios mais antigos sugerem que, em adultos, o chocolate está associado a um menor risco de doenças cardiometabólicas”, acrescenta a cientista espanhola. Marcelo Barros confirma a informação. Segundo ele, desde o início dos anos 2000, vários artigos surgiram demonstrando que a ingestão de chocolate amargo (com mais de 65% de cacau) beneficia o controle da pressão arterial. E não só na prevenção, até mesmo no tratamento da doença. “Um dos mecanismos é essa diminuição da resistência à insulina. Quando ela é mais alta, tem um elo para o aumento da pressão arterial”, destaca o nutricionista.
Outro dado importante seria a liberação do óxido nítrico. Propriedades do chocolate provocariam o despejo dessa substância dentro dos vasos sanguíneos, levando a um relaxamento e, com isso, baixando a pressão arterial. “O óxido nítrico também mantém a parte interna dos vasos mais saudáveis, evitando a ligação plaquetária e o acúmulo de colesterol.”
Calorias em xeque
A notícia da descoberta de que o chocolate reduz a gordura não poderia deixar de agradar – e muito – à funcionária pública Renata Moreira de Almeida, de 38 anos. Chocólatra, ela já foi parada pela Receita Federal por carregar metade da mala com chocolates comprados no exterior. “Como cinco vezes por semana e do tipo mais amargo, e não vejo mudança no meu corpo relacionada ao chocolate”, diz. Os efeitos que ela atribui à delícia são mais ligados ao relaxamento e à satisfação.
Nutrólogo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), José Ernesto dos Santos defende que é preciso desmitificar o chocolate. “As calorias não podem ser somente matemáticas. É evidente que 250 calorias de um bombom não são iguais às 250 calorias da picanha. Você estará ingerindo muito mais gordura saturada e colesterol. Isso é um dado importante”, compara.
O presidente da Associação Brasileira de Nutrologia, Durval Ribas Filho, discorda de Santos e acentua que o volume energético total diário é um fator decisivo para o aumento de peso e da gordura corporal. “O estudo espanhol não mostrou se o alimento consumido era mais ou menos amargo. Isso poderia dar um direcionamento. O chocolate com um percentual de cacau maior que 65% tem muito mais polifenóis e, certamente, uma capacidade antioxidante maior.” (BS)
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