O corvo e o papagaio
Maria Esther Maciel - memaciel.em@gmail.com
Estado de Minas: 19/11/2013
Acabo de ler um artigo sobre a inteligência dos corvos, que me foi enviado por um leitor, e constato que essa ave, comumente associada às sombras, é capaz de coisas que vão muito além do que se espera dela. O corvo não se limita aos aspectos sombrios e sinistros que lhe são, em geral, atribuídos pela nossa imaginação supersticiosa. Para começar, ele é brincalhão e gosta de artifícios. Sabe imitar a voz humana e a de outros animais. Consegue repetir palavras com habilidade, mais até que os papagaios. Além disso, costuma brincar de “bobinho” com cães, lontras e lobos, sendo também capaz de usar alguns truques para enganar outras aves, em determinadas situações de fome ou perigo. Em outras palavras, é uma ave marota e falante.
Sem dúvida, ao escrever o famoso poema “O corvo”, em 1845, o americano Edgar Allan Poe sabia das habilidades “linguísticas” dessa ave. Tanto que, num ensaio que compôs sobre o poema, mencionou que a escolheu, entre outras coisas, por isso. E explicou: “veio-me à mente um papagaio, mas este foi substituído logo em seguida por um corvo, igualmente capaz de falar e infinitamente capaz de manter o tom pretendido”. Esse tom, para quem não se lembra, tem a ver com a lúgubre situação apresentada no poema: um homem triste e solitário que, à meia-noite, em meio aos muitos livros, lamenta a morte de sua amada Lenora e recebe, inesperadamente, a visita de um corvo que entra pela janela do quarto. A ave, caracterizada como “austera e escura”, passa a responder a tudo o que o homem fala, com uma insistente e solene expressão: nervermore (“nunca mais”). Aos poucos, isso vai deixando-o num estado de febril desespero. E quem lê o poema sente, na pele, toda a intensidade dessa febre.
Sempre incluí “O corvo” em minhas aulas de poesia, e os alunos adoram. Sobretudo quando é lido por uma voz masculina de timbre soturno, de preferência numa gravação em inglês, seguida da tradução de Oscar Mendes – a minha preferida. Mais instigante ainda é articular o poema a filmes nele inspirados, incluindo um divertidíssimo desenho animado dos Simpsons. Isso ajuda a reatualizar Poe no mundo contemporâneo. Interessante que, de uns tempos para cá, sempre que leio ou comento esse poema lembro-me do olhar sinistro (e astuto) de um corvo que vi, certa vez, num cemitério em Tóquio. O qual, por sua vez, me trouxe, vivamente, a imagem do poema. Aliás, em matéria de aves sinistras, é bem melhor a lembrança do corvo de Poe do que a do urubu de Augusto dos Anjos. Os urubus são muito mais assustadores.
Bem, confesso que não era de poemas que queria falar nesta crônica, e muito menos da simbologia lúgubre do corvo. Nada de baixo-astral. O que pretendia, após ler o tal artigo, era imaginar uma possível (ou impossível?) conversa entre um corvo e um papagaio, que se encontrariam por acaso ao pé de uma jabuticabeira e trocariam ideias irônicas sobre a visão que os escritores têm das aves falantes. Eles não poupariam as fábulas de Esopo e La Fontaine, o poema “O corvo”, de Poe, o romance Macunaíma, de Mário de Andrade, nem tampouco os contos “Um coração simples”, de Flaubert, e “A viúva e o papagaio”, de Virginia Woolf.
Fica para uma próxima vez.
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