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O continente negro
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 26/01/2014
Sobre o feminino: o que dizer? Tanta coisa que cairíamos numa infinitude de palavras inconclusivas. Todas elas circulariam a questão do que é ou do que quer uma mulher e nenhuma poderia dizê-lo com todas as letras. Nem mesmo nós mulheres podemos desvendar o mistério da feminilidade. Se é que a exercemos hoje em dia, em tempos ainda de disputas fálicas por igualdades entre os sexos.
Concordamos ter alcançado igualdade civil. No mercado de trabalho, nos últimos 10 anos, as mulheres alçaram altos cargos públicos e privados. Hoje temos uma presidente(a). Mas alcançar isso não parece ter deixado as mulheres satisfeitas, e há certa nostalgia dos tempos em que eram o sexo frágil e sua relação com os homens as colocava em posição feminina, desejável, protegida. Há as que digam que desejariam ter nascido nos tempos das donas de casa. Polêmica discussão.
Surge novo apelo ao lugar do feminino. Belikiss Pandiá Guimarães entende que surgiu o desejo de escrever sobre um feminino que não se explica, e que mesmo assim vai sofrendo mutações. Ela discorre sobre a influência dos filmes da saga Crepúsculo, quando o amor-ternura revela revolucionárias intrigas, refletidas inclusive no look gótico que alcançou a moda: esmaltes pretos, caveiras, roupas black. Recorto aqui interessantes pontos da escrita de Belkiss, que nos abrem o pensamento para sua proposta.
O relato desse amor que se passava nas bordas da morte e veio ocupar o imaginário da juventude exerceu encantamento hipnótico, tal como era a atração que o vampiro causava na moça, pois, como um semideus, tinha poderes especiais, banindo assim o terror e provocando entrega confiante.
A humana, simplesmente mulher, desafiava, com sua meiguice, tais poderes, pois se apresentava como um enigma, já que o vampiro não podia ler seus pensamentos, como fazia com todos e esse era um de seus dons. O cenário assim composto faz desenrolar ardente e desconcertante história de amor. A questão se revela como um traço recém-explorado na cultura, com relação a uma nova sujeição feminina, que misteriosamente ganha prestígio nos tempos de consagrada liberação feminina, não só em ideias feministas, mas também nas conquistas efetivas de lugares tão prestigiosos quanto dos homens.
A autora de Cinquenta tons de cinza, cuja temática se baseia na sujeição feminina, revela que foi influenciada por essa ficção extemporânea; provavelmente, a imensa procura dos romances de E. L. James se deve a uma posição arcaica da mulher, e que deve ser compreendida no âmago da coisa feminina. O ineditismo desse casal de amantes talvez ofereça um acalanto para uma questão muito perturbadora e de difícil conclusão para os pensadores e filósofos, psicanalistas e cientistas que tratam do comportamento humano: o que há na relação homem/mulher que tem gasto bilhões de palavras e nunca se elucida.
Como a coisa feminina, em sua diferença do homem, tem sido olhada desde a Idade Média como bruxaria e condenada criminalmente, é possível que nosso tempo proporcione novo olhar, que ignore toda a mitologia criada em torno do perigo que representava a sedução feminina. Esse novo olhar não se detém na beleza dos seios, quadris ou coxas, não privilegia a inteligência espirituosa, a graciosidade do gesto e andar, a delicadeza no dizer ou a expressão poética nas palavras.
O primitivismo dessa relação causa estranheza e horror sem a intermediação simbólica da linguagem, ela se passa na escuridão das entranhas. No entanto, para a mulher, a familiaridade em ser devorada e seus líquidos sugados na troca amorosa, como na maternidade, é o que lhe possibilita o mais intenso gozo. Já que resgata sua vinculação com a natureza originária.
Embora psicanalistas afirmem que a maternidade não pode explicar o que quer uma mulher, e para citar um filósofo que desentendia o feminino, Nietzsche diz em seu livro Aurora: “As mulheres grávidas são muito estranhas”. E conclui: “Se nem os juízes, nem a polícia pode tocá-las, também muito menos o filósofo ousará”.
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