quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Entre o ter e o ter mais - AGOSTINHO VIEIRA

O Globo 02/01/2014

Foram mais de 100 milhões de bilhetes.
Como se um em cada dois brasileiros
resolvesse apostar na sorte grande. O
prêmio da Mega-Sena da Virada superou a
marca dos R$ 220 milhões. O que fazer com
tanto dinheiro? Há quem diga que vai ajudar
os amigos ou doar para instituições de
caridade. Mas, de um modo geral, as
respostas não variam muito: comprar casas
bacanas, carros de luxo, barcos, viagens.

Até aí, nada demais, esse tipo de loteria faz sucesso
no mundo todo e as expectativas são parecidas.
Sonhar não custa nada. O problema é
quando a necessidade de ter, ter mais ou ter muito vira
objetivo de vida. Uma pesquisa divulgada há alguns
dias pelo Instituto Ipsos mostrou que os brasileiros
estão entre os povos mais materialistas do planeta.
Quase 50% disseram concordar com a afirmação:
“Eu meço o meu sucesso pelas coisas que possuo”.
A média mundial é de 34%.

Curiosamente, quem mais valoriza os bens materiais
são os chineses, apesar de viverem numa nação
supostamente comunista. Nada menos que 71% responderam
sim para a mesma questão. Eles são seguidos
pelos indianos, com 58%, pelos turcos, com 57%,
e pelos brasileiros, com 48%. Em contrapartida, apenas
21% dos americanos disseram que medem o sucesso
pelos bens que possuem. O levantamento ouviu
mais de 16 mil pessoas espalhadas por 20 países.

Os chineses também são os que afirmam sentir-se
mais pressionados para atingirem o sucesso profissional
e ganhar dinheiro. O índice de respostas sim para
esta pergunta chegou a 68%, contra 66% dos russos
e sul-africanos e 60% dos indianos. Já o percentual de
brasileiros que dizem sofrer muita pressão para ganhar
dinheiro ficou em 44%. Abaixo da média mundial.
De acordo com a consultoria Brain&Co, os chineses
já são os maiores compradores de itens de luxo
no mundo. Eles respondem por quase um terço do
consumo mundial destes produtos.

Uma conclusão relativamente óbvia deste estudo é
a relação entre o nível de crescimento de um país e a
necessidade do seu povo de ganhar dinheiro, comprar
bens materiais e obter reconhecimento profissional.
Por isso, as nações mais materialistas do planeta
seriam aquelas em processo de desenvolvimento.
Na outra ponta do ranking aparece a desenvolvida
Suécia. Apenas 7% dos moradores do país dizem medir
o seu sucesso pelos bens que possuem.

Os suecos seriam menos materialistas por que são
ricos ou por que encontraram outra forma de felicidade?
Talvez as duas coisas. O Instituto Gallup-Healthways
fez um estudo de observação diária com mil
americanos e concluiu que o nível de renda familiar
a partir do qual o bem-estar deixa de ter relação com
o aumento da renda é de aproximadamente US$ 75
mil por ano. Cerca de R$ 180 mil ou R$ 15 mil por
mês. Dependendo do custo de vida, o valor é menor.

48 %

Dos brasileiros ouvidos por uma pesquisa do Instituto
Ipsos disseram concordar com a afirmação: “Eu meço o
meu sucesso pelas coisas que possuo”. Os chineses
seriam os mais materialistas, 71% responderam sim.

Claro que esse número é discutível. Alguns podem
achá-lo alto demais. Outros, baixo. O fato é que a partir
de um determinado valor que satisfaça as necessidades
básicas da família, não existe uma relação clara
de causa e efeito entre ganhar dinheiro, comprar
coisas e ser feliz. Pesquisas sobre bem-estar feitas regularmente
em mais de 150 países chegam quase
sempre ao mesmo resultado: as pessoas são mais alegres,
sentem-se melhor quando estão com os parentes
e os amigos. Mesmo que seja para discutir o que
fariam se ganhassem a Mega-Sena da Virada.

Se o indivíduo, de um modo geral, se sente melhor
quando está com aquele que ama, por que não criar
mais oportunidades para essa socialização? Na sociedade
do eu, do aqui e do agora, fazemos exatamente
o oposto disso. Passamos horas em engarrafamentos.
Presos dentro de carros que levam apenas uma pessoa.
Nossos prédios não favorecem o convívio. As
praças, ou não existem ou estão abandonadas demais
para que alguém queira estar ali.

Ao mesmo tempo, é possível que nunca na história
da humanidade tenha havido tanta socialização como
hoje. O problema é que ela se dá através das redes
sociais, na velocidade dos dedos que operam os descartáveis
smartphones. Quem quiser pode ter um
milhão de amigos. Não precisa nem sair de casa.

De todos os desafios que o homem enfrentará nos
próximos anos, nenhum se compara com o descontrole
nos níveis de consumo. Ele é potencializado pelo
tamanho da população e pressiona, irresponsavelmente,
os limites físicos do planeta. Se você ainda
não concluiu a sua lista de resoluções para 2014, fica
a sugestão: passe mais tempo com os seus amigos reais
e menos tempo carregando sacolas.

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