Sangue na mais nova nação do mundo
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional
Estado de Minas: 02/01/2014
A mais nova nação do
mundo, o Sudão do Sul, não sabe o que fazer com a independência a duras
penas conquistada quando, em 9 de julho de 2011, separou-se do Sudão sob
os aplausos da comunidade internacional. O cordão umbilical, contudo,
nunca foi rompido, pois o contencioso representado pelas ricas áreas
limítrofes de Abyei, Unity e Alto Nilo permaneceu sempre em aberto (as
reservas já comprovadas farão do Sudão do Sul o terceiro maior produtor
do sub-Sahara africano, depois da Nigéria e Angola). Difícil, também,
tem sido perdoar ou esquecer a história recente. Darfur, a província
sudanesa mais a oeste, na fronteira com Chade, Líbia e República Centro
Africana, foi o palco do genocídio que fez o Tribunal Penal
Internacional condenar por crimes contra a humanidade o presidente Omar
al-Bashir, que por sinal continua governando, embora não possa sair do
país para não ser preso pela Interpol.
A ONU acaba de aumentar seu contingente na região para 12,5 mil homens, mas tem fracassado de maneira sistemática nas tentativas de colocar lado a lado as distintas etnias e tribos que secularmente alternam guerra e convivência no território sudanês. De acordo com o manual, inimigos tradicionais devem se sentar em volta da mesma mesa, firmar um acordo de paz e, então, passar a dividir o poder como se irmãos fossem. Em julho de 2005, a aplicação dessa teoria transformou o líder rebelde sulista John Garang em vice-presidente do Sudão, mas um mês depois ele morreu num acidente aéreo, o que provocou confrontos entre sulistas e árabes nortistas com centenas de mortos nas ruas de Kartum. Seu substituto, Salva Kiir Mayardiit, bafejado por melhor sorte, não só sobreviveu como selou o acordo de autonomia com Al-Bashir e é hoje o presidente do Sudão do Sul. Sempre em obediência às diretivas internacionais (a força de paz UNMISS, Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul, com uma maioria de capacetes azuis indianos, dá sustentação ao governo), Kiir, que é da etnia Dinka, dividiu a administração do novo país em duas, entregando a vice-presidência para Riek Mashar, líder dos Nuer, minoritários, mas dominantes nas províncias petrolíferas.
Autoritário, em meio a denúncias de um milionário escândalo financeiro, em 15 de dezembro, Kiir demitiu não só o seu vice como todo o gabinete. Imediatamente Mashar articulou, sem sucesso, um golpe de Estado e assumiu o comando de um exército rebelde. A resposta foi a dissolução da Guarda Presidencial até então composta por agentes das duas etnias e o massacre dos Nuer. Não há como confundir os integrantes das tribos em luta. Embora sejam todos negros e secularmente dedicados ao pastoreio, os dinkas, famosos por seu porte atlético e beleza física, são gigantes (o povo mais alto da terra) que facilmente alcançam os 2 metros de altura. Já os homens nuer são identificados pela marca facial – seis linhas paralelas feitas à navalha do alto da testa até o nariz, conhecida como Gaar – que recebem ao chegar à puberdade. O relato de Simon K ao jornal The Guardian reflete bem o padrão das guerras de extermínio racial na África. Capturado ele não conseguiu responder a uma pergunta crucial, feita no idioma dinka: “qual é o seu nome?”. Na cela do posto policial quase no centro de Juba, a capital sul-sudanesa, ele contou 252 nuers e viu os canos das armas que entre as barras das grades nas janelas atiravam, suspendiam a fuzilaria para ver se alguém ainda se mexia e atiravam de novo. Dois dias depois, com a chegada de socorro, Simon K e outros 11 tinham sobrevivido imóveis sob os corpos, que, deteriorando-se, cada vez mais os sufocavam.
A base das Nações Unidas está à beira do colapso, invadida por 20 mil fugitivos do conflito em busca de alimentos, água potável e proteção contra o calor intenso do dia e o frio cortante da noite. Não existem soluções fáceis à vista. Uma intervenção do Conselho de Segurança da ONU não tem viabilidade devido ao bloqueio de China e Rússia, fortes aliados de Al-Bashar, e o regime de Kartum pode aproveitar-se do caos e intervir, aliando-se aos nuer de Mashar, para retomar os poços de petróleo que considera serem seus. Por fim, a internacionalização do conflito é eminente. Tropas de Uganda já estão no Sudão do Sul e é cada vez mais instável o quadro político nas vizinhas República Centro Africana e República Democrática do Congo. O governo de Salva Kiir parece afundar depois de receber e desperdiçar bilhões de dólares em ajuda internacional. A delegação africana de alto nível, incluindo o presidente do Quênia e o 1º Ministro da Etiópia, visitou Juba e propôs a cessação das hostilidades e início imediato de diálogos, tentando aliviar a crescente crise humanitária. Resta agora impedir as vinganças e tornar a convivência novamente possível.
A ONU acaba de aumentar seu contingente na região para 12,5 mil homens, mas tem fracassado de maneira sistemática nas tentativas de colocar lado a lado as distintas etnias e tribos que secularmente alternam guerra e convivência no território sudanês. De acordo com o manual, inimigos tradicionais devem se sentar em volta da mesma mesa, firmar um acordo de paz e, então, passar a dividir o poder como se irmãos fossem. Em julho de 2005, a aplicação dessa teoria transformou o líder rebelde sulista John Garang em vice-presidente do Sudão, mas um mês depois ele morreu num acidente aéreo, o que provocou confrontos entre sulistas e árabes nortistas com centenas de mortos nas ruas de Kartum. Seu substituto, Salva Kiir Mayardiit, bafejado por melhor sorte, não só sobreviveu como selou o acordo de autonomia com Al-Bashir e é hoje o presidente do Sudão do Sul. Sempre em obediência às diretivas internacionais (a força de paz UNMISS, Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul, com uma maioria de capacetes azuis indianos, dá sustentação ao governo), Kiir, que é da etnia Dinka, dividiu a administração do novo país em duas, entregando a vice-presidência para Riek Mashar, líder dos Nuer, minoritários, mas dominantes nas províncias petrolíferas.
Autoritário, em meio a denúncias de um milionário escândalo financeiro, em 15 de dezembro, Kiir demitiu não só o seu vice como todo o gabinete. Imediatamente Mashar articulou, sem sucesso, um golpe de Estado e assumiu o comando de um exército rebelde. A resposta foi a dissolução da Guarda Presidencial até então composta por agentes das duas etnias e o massacre dos Nuer. Não há como confundir os integrantes das tribos em luta. Embora sejam todos negros e secularmente dedicados ao pastoreio, os dinkas, famosos por seu porte atlético e beleza física, são gigantes (o povo mais alto da terra) que facilmente alcançam os 2 metros de altura. Já os homens nuer são identificados pela marca facial – seis linhas paralelas feitas à navalha do alto da testa até o nariz, conhecida como Gaar – que recebem ao chegar à puberdade. O relato de Simon K ao jornal The Guardian reflete bem o padrão das guerras de extermínio racial na África. Capturado ele não conseguiu responder a uma pergunta crucial, feita no idioma dinka: “qual é o seu nome?”. Na cela do posto policial quase no centro de Juba, a capital sul-sudanesa, ele contou 252 nuers e viu os canos das armas que entre as barras das grades nas janelas atiravam, suspendiam a fuzilaria para ver se alguém ainda se mexia e atiravam de novo. Dois dias depois, com a chegada de socorro, Simon K e outros 11 tinham sobrevivido imóveis sob os corpos, que, deteriorando-se, cada vez mais os sufocavam.
A base das Nações Unidas está à beira do colapso, invadida por 20 mil fugitivos do conflito em busca de alimentos, água potável e proteção contra o calor intenso do dia e o frio cortante da noite. Não existem soluções fáceis à vista. Uma intervenção do Conselho de Segurança da ONU não tem viabilidade devido ao bloqueio de China e Rússia, fortes aliados de Al-Bashar, e o regime de Kartum pode aproveitar-se do caos e intervir, aliando-se aos nuer de Mashar, para retomar os poços de petróleo que considera serem seus. Por fim, a internacionalização do conflito é eminente. Tropas de Uganda já estão no Sudão do Sul e é cada vez mais instável o quadro político nas vizinhas República Centro Africana e República Democrática do Congo. O governo de Salva Kiir parece afundar depois de receber e desperdiçar bilhões de dólares em ajuda internacional. A delegação africana de alto nível, incluindo o presidente do Quênia e o 1º Ministro da Etiópia, visitou Juba e propôs a cessação das hostilidades e início imediato de diálogos, tentando aliviar a crescente crise humanitária. Resta agora impedir as vinganças e tornar a convivência novamente possível.
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