Zero Hora 05/01/2014
Quando tento buscar na memória a menina que fui, não consigo me ver
chorando. No colégio? Nunca. Em casa? Só de forma muito reservada e
profunda no silêncio do meu quarto, jamais por fricotes infantis. Mesmo
adolescente, com os hormônios em curto-circuito, tampouco lembro de
abrir as torneiras. Era durona, não chorava nem quando havia sério
motivo para tal aliás, bastava que algum parente distante tivesse
morrido para me dar uma vontade louca de rir. Tinha vergonha de me
emocionar.
Depois veio a idade dos namoros, e aprendi a chorar por dor de
cotovelo e também por autopiedade. Meu choro era tão sentido, vinha de
zonas tão secretas em mim que, mesmo quando o motivo do choro já havia
se dissipado, eu continuava chorando pela simples emoção de estar
testemunhando a minha tristeza reprimida que finalmente desaguava — eu
chorava pela comoção que eu mesma me causava.
Chorei por amor e ainda vou chorar, porque é da natureza do amor
despertar nossas fragilidades. Chorei no momento em que minhas filhas
nasceram, porque o esforço e a intensidade da emoção do parto faz tudo
vazar sem barragem que represe. E chorei de raiva nas poucas vezes em
que me senti injustiçada. E só. Tudo choro emocional, mas com razão
conhecida.
Porém acabou o tempo de estio, quando eu chorava tão de vez em
quando que podia lembrar a data. Nos tempos que correm, as lágrimas
também correm — muito! E se antes chorava por alguma emoção irreprimível
como o nascimento de um filho ou por um sofrimento doloroso como a
partida de um grande amor, ando chorando agora durante a Dança dos
Famosos. Quando o Gabiru fez o gol que deu ao Inter o Campeonato Mundial
de Clubes, chorei. Quando uma criança canta na festinha da creche:
“Quero ver você não chorar/Não olhar pra trás...”, me debulho. Choro em
formatura.
Choro em discurso de família. Chorei quando os Stones entraram no
palco no Hyde Park e quando Paul McCartney cantou My Love no Beira-Rio.
Choro com os fogos de artifício do Réveillon. Choro no trânsito. Choro
quando os caixões são fechados, mesmo que eu não conheça quem esteja
dentro. Choro ao ver qualquer pessoa chorando. Choro em apresentação de
dança da Dullius. Choro em aeroporto. Choro no banho. E quando ouço Chão
de Giz, do Zé Ramalho, daí não são apenas olhos marejados: transbordo.
Essa música toca em alguma coisa que me cala fundo e ainda não sei o que
é.
Dizem que ficamos mais amolecidos com a idade, mas eu achava que
estavam se referindo às dobrinhas nos joelhos. Pelo visto, os
sentimentos, com o tempo, também afrouxam. Melhor assim: deixam de
empedrar e de nos enrijecer por dentro. Deslizam pela face e nos
purificam: ficamos banhados, limpos, batizados.
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