Tereza Cruvinel - Vertigens iniciais
Em 2002, o PMDB apoiou José Serra,
deu-lhe a vice e o tempo de tevê, mas descarregou votos foi em Lula.
Esse é o risco que corre Dilma, quando acha que o partido não tem para
onde correr
Estado de Minas: 16/01/2014
Se eu não tivesse
estado ausente deste espaço durante os ritos de passagem do fim do ano,
desfrutando do direito periódico ao ócio, teria também especulado sobre
as singularidades de 2014: um ano intenso, por conta das eleições e da
Copa do Mundo, das interrogações sobre a economia e os humores da alma
nacional. Cometeria outras profecias rasas, mas talvez não apostasse
que, na política, o novo ano manteria a velocidade e o atropelo dos
cronogramas que caracterizaram 2013, acreditando que, com a proximidade
dos fatos, os atores moderariam o passo. A primeira quinzena,
entretanto, sugere a vertigem continuada: a presidente falou em reforma
ministerial e os partidos se agitaram, em especial o PMDB. A sociedade
se surpreende com o tal rolezinho de jovens da periferia em shoppings. O
Supremo Tribunal Federal segue produzindo vastas emoções e atitudes
imperfeitas, enquanto o Ministério Público e o Tribunal Superior
Eleitoral travam a primeira disputa pelo poder fiscalizatório nas
eleições. Imagine o leitor quando chegar setembro, véspera do pleito.
Como
o dia da volta ainda permite a contemplação panorâmica, vejamos estes e
outros augúrios de um ano que deve ser inesquecível. Se não por tudo,
pelo menos pela Copa, com o Brasil ganhando ou perdendo o torneio
mundial.
Cristal trincado
Há poucos
meses, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, para
reeleger Dilma, o PT não poderia jamais trincar sua aliança com o PMDB. A
rusga do momento não vai levar a um rompimento formal, mas pode ter
consequências. Não vai o PMDB jogar fora o poder que tem por causa de um
ministério, mas precisa esticar a corda e falar alto, por isso seus
caciques se reuniram ontem, reagindo ao aviso de Dilma, de que não lhes
dará uma sexta pasta. Ela sabia que a reação viria, mas mesmo assim
fustigou o partido, que em seus cálculos não a deixará porque não há
melhor caminho a seguir. Para ter um tempo de televisão bem maior que o
dos adversários, ela precisa acomodar no governo o Pros e o PTB, e
melhorar a posição do PSD. Se o PMDB blefa quando chia e fala em
rompimento, como dizem os dilmistas, ela pode estar cometendo um erro de
cálculo.
O PMDB, com sua máquina e sua capilaridade invejáveis,
nunca precisou romper para jogar ao mar candidatos indesejados. Mesmo
quando eram do próprio partido, como seu maior nome de todos os tempos,
Ulysses Guimarães. Depois de Ulysses, o líder da transição que ficou em
quinto lugar na primeira eleição direta pós-ditadura, a de 1989, foi
José Serra que experimentou, em 2002, o sabor amargo da
“cristianização”, neologismo forjado pela traição do velho PSD a seu
candidato em 1950, Cristiano Machado. O PMDB o apoiou oficialmente,
dando-lhe a vice, Rita Camata, e um bom tempo de tevê. A maioria das
seções estaduais e os mais influentes caciques, entretanto,
descarregaram votos em Lula. Esse é o risco que Dilma corre, quando acha
que o PMDB não tem para onde correr.
O cristal vem se
trincando desde 2010. Na gaveta de um importante líder do partido dorme
um documento que ela assinou na época, prometendo que, em estados onde
PMDB e PT não estivessem juntos, iria aos dois palanques ou a nenhum.
Mas, em alguns estados, ela foi apenas a comícios de petistas. O PMDB
não esqueceu, veio a convivência no governo e novos arranhões no
cristal.
A mística do rolê
São dois os
discursos correntes sobre o fenômeno do rolezinho. Um, supostamente “de
esquerda”, atribui aos encontros um verniz político que ele não tem,
explicando-o como consequência da falta de opções de lazer nas
periferias. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), agora atento
aos sinais das ruas, viu nos rolezinhos um protesto contra o “apartheid
social”. Outro discurso, claramente ordeiro e conservador, pede ação
policial enérgica contra os grupos que vão “zoar” nos shopping,
promovendo correrias e assustando lojistas e frequentadores.
Os
textos que os jovens trocam nas redes sociais para combinar os encontros
liquidam com o esforço para “politizar” os rolezinhos. Pelo menos os
seis que ocorreram em São Paulo entre 7 de dezembro e 11 de janeiro não
tinham bandeira alguma. O que eles querem é diversão, “zoada”, como
dizem. As meninas vão para ver de perto seus “ídolos” da internet,
jovens com milhares de seguidores em seus perfis.
Por outro lado,
como poderá a polícia selecionar o acesso aos shoppings, espaços
coletivos porém privados, sem incorrer na discriminação e no
preconceito? Em Niterói, os convocadores de um rolezinho estão avisando:
“Fiquem de olho, racismo é crime”. Ou seja, qualquer ato repressivo
pode ser tachado como crime de racismo. Ninguém sabe ainda como lidar
com isso, mas é certo que nem a mistificação ideológica nem a repressão
pesada darão bons resultados.
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