A solidão que abala o corpo
Idosos que se mantêm afastados das relações sociais apresentam mais problemas de pressão, memória e complicações cardiovasculares. Nessas condições, o risco de morrer aumenta 14%
Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 07/03/2014
Mais do que triste, a solidão é perigosa para a saúde dos idosos. Uma pesquisa do psicólogo John Cacioppo, diretor do Centro de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade de Chicago (EUA), indica que a extrema solidão é tão prejudicial ao corpo quanto a obesidade e aumenta em 14% o risco de morte prematura de quem chegou à terceira idade. Os resultados colocam o isolamento como um fator de risco tão potente quanto a situação socioeconômica desfavorecida, que eleva em 19% as chances de morte precoce. Cacioppo apresentou esses resultados, no mês passado, no congresso American Association for the Advancement of Science Annual, evento ligado à editora da revista científica Science.
“As pessoas subestimam a importância de compartilhar bons momentos com amigos e família”, observa o autor. Mais do que companheirismo, Cacioppo afirma que, independentemente do estágio da vida, são necessárias a assistência e a proteção mútuas. Por isso, ter relacionamentos de qualidade é uma das chaves para a felicidade e a longevidade. “As tensões e os desafios da vida são suportados mais facilmente se podemos compartilhá-los com alguém em quem podemos confiar”, diz o especialista.
Conduzida entre 2010 e 2013, a pesquisa teve como base questionários aplicados a mais de 2,1 mil adultos com mais de 55 anos. Os voluntários responderam a perguntas sobre origem, estado civil, renda e vida social. Durante todo o tempo, foram submetidos a checapes, o que permitiu o monitoramento do estado de saúde deles. Cacioppo conta que encontrou diferenças relevantes nas taxas de declínio da saúde física e mental entre os participantes mais solitários. Os sintomas mais comuns são insônia, depressão, aumento da pressão arterial e dos níveis de cortisol — o hormônio do estresse, responsável por cumprir papel essencial nas respostas de situações de perigo.
Wilson Jacob Filho, coordenador do Núcleo de Geriatria do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, explica que emoções como medo ou ansiedade, dois sentimentos comuns na solidão, perturbam o sistema nervoso autônomo, região que controla a respiração, a circulação do sangue e a temperatura corporal, por exemplo. “Quando se está ansioso, o ritmo respiratório muda, o apetite aumenta, a pessoa come mais e também vai mais ao banheiro”, descreve.
Essas respostas orgânicas aos estados emocionais são chamadas de doenças psicossomáticas. “Muito frequentemente, o paciente que chega ao consultório apresenta esses sintomas e se queixa que eles passaram a ocorrer com a depressão, depois do falecimento do cônjuge ou quando os filhos saem de casa. Pode existir uma maior sensibilidade à dor, predisposição à infecção e maior descontentamento porque a solidão é um exacerbador dessas condições, tornando-as mais evidentes”, explica o geriatra.
Cérebro atingido
A médica geriatra Silvana Coelho Nogueira explica que a solidão está ligada também aos problemas de memória. O isolamento social, segundo ela, age na vida dos idosos de modo complexo. Pode ser, por exemplo, um fator de risco para o mal de Alzheimer, doença degenerativa que leva ao declínio cognitivo. “Uma das teorias afirma que o isolamento e a depressão levam ao menor uso das conexões cerebrais, o que gera uma diminuição de neurotransmissores importantes, como dopamina e serotonina, e isso afeta os sistemas de memória”, explica Nogueira.
Há também os impactos cardiovasculares. Segundo a geriatra, eles atingem os mais velhos e qualquer pessoa que tenha disfunções psiquiátricas, como a esquizofrenia. Além da dificuldade em seguir corretamente os medicamentos, esses pacientes, geralmente sedentários, são mais suscetíveis aos riscos da falta de exercícios. “Eles modificam as placas nas artérias coronarianas, podendo culminar em doenças cardiovasculares. Os idosos não devem participar somente da vida em família. Devem viver de forma ativa na sociedade, como grupos da igreja ou de exercícios físicos e viagens”, aconselha a médica.
Wilson sublinha que aspectos ambientais também agravam os prejuízos da solidão. “Viver só e ser o único responsável por tudo, sem ter ninguém para dividir, é um dos aspectos psicológicos que trazem muitos prejuízos emocionais”, diz. Mesmo com a independência física, financeira e psicológica, idosos que vivem dessa forma podem sentir mais dificuldades ao enfrentar situações inesperadas. “Aqueles que têm mais gente ao redor e se sentem apoiados e acompanhados não têm tanta dificuldade em questões relacionadas à prevenção de riscos”, exemplifica.
O estudo recente vem no encalço de pesquisas anteriores que tentam descobrir qual a relação entre a solidão e as doenças do corpo. Em 1973, o sociólogo norte-americano Robert Weiss definiu a condição como uma “percepção social do isolamento”. Ele a descreveu como “uma doença crônica e corrosiva, sem características de redenção”. A sensação desagradável, observa Cacioppo, acometeu também os primeiros seres humanos. O psicólogo defende que a solidão é uma força evolutiva poderosa, e que os esforços de fugir dela promoveram a ligação dos povos pré-históricos. Foi a partir daí que os primeiros humanos se uniram para conseguir comida, abrigo e proteção com mais sucesso. O psicólogo da Universidade de Chicago chegou a levantar evidências de que a solidão tem um componente hereditário significativo (leia Saiba Mais).
Sempre juntas Por ser um dos motores evolutivos mais eficientes, evitar a solidão e o isolamento também é uma maneira de aumentar a expectativa de vida. A resistência física e mental de idosos com vidas sociais intensas é muito mais forte e, de acordo com Cacioppo, isso ocorre porque eles têm “mais capacidade de enfrentar adversidades”. O pesquisador destaca a importância de fazer parte de tradições familiares, manter contato com os ex-colegas de trabalho e participar de atividades em grupo. Deve-se zelar por três dimensões fundamentais para uma vida mais longa e com mais qualidade de vida: a ligação íntima, a conexão relacional e a conexão coletiva. Em equilíbrio, a tríade afasta os muitos males.
Quem sabe muito bem disso é a cearense Iza Sucupira, de 77 anos. Ela fez amigos lá, entre eles Adecir da Costa Esteves, de 75, e Valda Seixas Fonteneles, de 66. As três se conheceram há pouco mais de um ano e, desde então, se encontram todos os dias em local e horário combinados. Também saem à noite para barzinhos e organizam encontros comunitários com os outros frequentadores da PEC.
“Eu não me sinto deprimida. Quando começo a ficar assim, coloco uma roupa, saio de casa e procuro minhas amigas. Eu me exercito sempre e, quando cheguei a Brasília, há 20 anos, estranhei que as pessoas não conversavam entre si. Mas aprendi a lidar com a cidade e até virei consultora de beleza”, conta Iza. Além de vender cosméticos e perfumes, a cearense coordena mais de 100 revendedoras. “Isso me deixa em contato com muitas pessoas”, conta. Adecir confirma que encontrou uma “família” no grupo. “Comemoramos os aniversários e trazemos lembrancinhas de presente. Sempre levamos a vida com alto-astral”, diz.
A receita do trio de amigas é aprovada e aconselhada por Wilson. O geriatra sugere que os idosos encontrem atividades que lhes façam bem e procurem frequentar locais onde possam compartilhar as opiniões. “O segredo está em empreender uma busca por pessoas que não sejam apenas os familiares e ampliar o universo de relacionamentos. Não se deve viver em função de parentes ou depender deles, que podem estar muito ocupados.” Comprar um bichinho de estimação é uma alternativa interessante para quem gosta de animais, sugere o especialista. “Muitas vezes, os bichinhos são capazes de reduzir a solidão, e isso vale para qualquer idade.”
Saiba mais
Menos na adolescência
Em 2007, John Cacioppo utilizou dados genéticos de gêmeos holandeses para saber qual era o percentual de influências genéticas e ambientais na solidão de crianças. A amostra foi composta por 7.995 pares de gêmeos, de 7 a 12 anos. Os resultados revelaram que 46% dos sintomas de solidão tinham caráter hereditário, mas com uma significativa incidência de influências ambientais nesse comportamento (12%). Os dados finais das análises genéticas longitudinais foram mais curiosos: a herdabilidade – parâmetro que mede o grau em que a herança influencia uma característica – mudou durante a infância. Cacioppo percebeu que a influência genética é de 60% aos 76 anos, de 54% aos 10 anos e de 17% aos 12. A queda na herdabilidade, segundo ele, pode estar relacionada ao início da puberdade, período em que há uma mudança programada nos hormônios sexuais. Isso faz com que os pré-adolescentes passem a perceber e a buscar outros tipos de relacionamento. Esses resultados, avalia o pesquisador, implicam que a hereditariedade da solidão pode voltar a atuar durante a vida adulta.
“As pessoas subestimam a importância de compartilhar bons momentos com amigos e família”, observa o autor. Mais do que companheirismo, Cacioppo afirma que, independentemente do estágio da vida, são necessárias a assistência e a proteção mútuas. Por isso, ter relacionamentos de qualidade é uma das chaves para a felicidade e a longevidade. “As tensões e os desafios da vida são suportados mais facilmente se podemos compartilhá-los com alguém em quem podemos confiar”, diz o especialista.
Conduzida entre 2010 e 2013, a pesquisa teve como base questionários aplicados a mais de 2,1 mil adultos com mais de 55 anos. Os voluntários responderam a perguntas sobre origem, estado civil, renda e vida social. Durante todo o tempo, foram submetidos a checapes, o que permitiu o monitoramento do estado de saúde deles. Cacioppo conta que encontrou diferenças relevantes nas taxas de declínio da saúde física e mental entre os participantes mais solitários. Os sintomas mais comuns são insônia, depressão, aumento da pressão arterial e dos níveis de cortisol — o hormônio do estresse, responsável por cumprir papel essencial nas respostas de situações de perigo.
Wilson Jacob Filho, coordenador do Núcleo de Geriatria do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, explica que emoções como medo ou ansiedade, dois sentimentos comuns na solidão, perturbam o sistema nervoso autônomo, região que controla a respiração, a circulação do sangue e a temperatura corporal, por exemplo. “Quando se está ansioso, o ritmo respiratório muda, o apetite aumenta, a pessoa come mais e também vai mais ao banheiro”, descreve.
Essas respostas orgânicas aos estados emocionais são chamadas de doenças psicossomáticas. “Muito frequentemente, o paciente que chega ao consultório apresenta esses sintomas e se queixa que eles passaram a ocorrer com a depressão, depois do falecimento do cônjuge ou quando os filhos saem de casa. Pode existir uma maior sensibilidade à dor, predisposição à infecção e maior descontentamento porque a solidão é um exacerbador dessas condições, tornando-as mais evidentes”, explica o geriatra.
Cérebro atingido
A médica geriatra Silvana Coelho Nogueira explica que a solidão está ligada também aos problemas de memória. O isolamento social, segundo ela, age na vida dos idosos de modo complexo. Pode ser, por exemplo, um fator de risco para o mal de Alzheimer, doença degenerativa que leva ao declínio cognitivo. “Uma das teorias afirma que o isolamento e a depressão levam ao menor uso das conexões cerebrais, o que gera uma diminuição de neurotransmissores importantes, como dopamina e serotonina, e isso afeta os sistemas de memória”, explica Nogueira.
Há também os impactos cardiovasculares. Segundo a geriatra, eles atingem os mais velhos e qualquer pessoa que tenha disfunções psiquiátricas, como a esquizofrenia. Além da dificuldade em seguir corretamente os medicamentos, esses pacientes, geralmente sedentários, são mais suscetíveis aos riscos da falta de exercícios. “Eles modificam as placas nas artérias coronarianas, podendo culminar em doenças cardiovasculares. Os idosos não devem participar somente da vida em família. Devem viver de forma ativa na sociedade, como grupos da igreja ou de exercícios físicos e viagens”, aconselha a médica.
Wilson sublinha que aspectos ambientais também agravam os prejuízos da solidão. “Viver só e ser o único responsável por tudo, sem ter ninguém para dividir, é um dos aspectos psicológicos que trazem muitos prejuízos emocionais”, diz. Mesmo com a independência física, financeira e psicológica, idosos que vivem dessa forma podem sentir mais dificuldades ao enfrentar situações inesperadas. “Aqueles que têm mais gente ao redor e se sentem apoiados e acompanhados não têm tanta dificuldade em questões relacionadas à prevenção de riscos”, exemplifica.
O estudo recente vem no encalço de pesquisas anteriores que tentam descobrir qual a relação entre a solidão e as doenças do corpo. Em 1973, o sociólogo norte-americano Robert Weiss definiu a condição como uma “percepção social do isolamento”. Ele a descreveu como “uma doença crônica e corrosiva, sem características de redenção”. A sensação desagradável, observa Cacioppo, acometeu também os primeiros seres humanos. O psicólogo defende que a solidão é uma força evolutiva poderosa, e que os esforços de fugir dela promoveram a ligação dos povos pré-históricos. Foi a partir daí que os primeiros humanos se uniram para conseguir comida, abrigo e proteção com mais sucesso. O psicólogo da Universidade de Chicago chegou a levantar evidências de que a solidão tem um componente hereditário significativo (leia Saiba Mais).
Sempre juntas Por ser um dos motores evolutivos mais eficientes, evitar a solidão e o isolamento também é uma maneira de aumentar a expectativa de vida. A resistência física e mental de idosos com vidas sociais intensas é muito mais forte e, de acordo com Cacioppo, isso ocorre porque eles têm “mais capacidade de enfrentar adversidades”. O pesquisador destaca a importância de fazer parte de tradições familiares, manter contato com os ex-colegas de trabalho e participar de atividades em grupo. Deve-se zelar por três dimensões fundamentais para uma vida mais longa e com mais qualidade de vida: a ligação íntima, a conexão relacional e a conexão coletiva. Em equilíbrio, a tríade afasta os muitos males.
Quem sabe muito bem disso é a cearense Iza Sucupira, de 77 anos. Ela fez amigos lá, entre eles Adecir da Costa Esteves, de 75, e Valda Seixas Fonteneles, de 66. As três se conheceram há pouco mais de um ano e, desde então, se encontram todos os dias em local e horário combinados. Também saem à noite para barzinhos e organizam encontros comunitários com os outros frequentadores da PEC.
“Eu não me sinto deprimida. Quando começo a ficar assim, coloco uma roupa, saio de casa e procuro minhas amigas. Eu me exercito sempre e, quando cheguei a Brasília, há 20 anos, estranhei que as pessoas não conversavam entre si. Mas aprendi a lidar com a cidade e até virei consultora de beleza”, conta Iza. Além de vender cosméticos e perfumes, a cearense coordena mais de 100 revendedoras. “Isso me deixa em contato com muitas pessoas”, conta. Adecir confirma que encontrou uma “família” no grupo. “Comemoramos os aniversários e trazemos lembrancinhas de presente. Sempre levamos a vida com alto-astral”, diz.
A receita do trio de amigas é aprovada e aconselhada por Wilson. O geriatra sugere que os idosos encontrem atividades que lhes façam bem e procurem frequentar locais onde possam compartilhar as opiniões. “O segredo está em empreender uma busca por pessoas que não sejam apenas os familiares e ampliar o universo de relacionamentos. Não se deve viver em função de parentes ou depender deles, que podem estar muito ocupados.” Comprar um bichinho de estimação é uma alternativa interessante para quem gosta de animais, sugere o especialista. “Muitas vezes, os bichinhos são capazes de reduzir a solidão, e isso vale para qualquer idade.”
Saiba mais
Menos na adolescência
Em 2007, John Cacioppo utilizou dados genéticos de gêmeos holandeses para saber qual era o percentual de influências genéticas e ambientais na solidão de crianças. A amostra foi composta por 7.995 pares de gêmeos, de 7 a 12 anos. Os resultados revelaram que 46% dos sintomas de solidão tinham caráter hereditário, mas com uma significativa incidência de influências ambientais nesse comportamento (12%). Os dados finais das análises genéticas longitudinais foram mais curiosos: a herdabilidade – parâmetro que mede o grau em que a herança influencia uma característica – mudou durante a infância. Cacioppo percebeu que a influência genética é de 60% aos 76 anos, de 54% aos 10 anos e de 17% aos 12. A queda na herdabilidade, segundo ele, pode estar relacionada ao início da puberdade, período em que há uma mudança programada nos hormônios sexuais. Isso faz com que os pré-adolescentes passem a perceber e a buscar outros tipos de relacionamento. Esses resultados, avalia o pesquisador, implicam que a hereditariedade da solidão pode voltar a atuar durante a vida adulta.
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