Por Joselia Aguiar | Para o Valor, de São Paulo | 28/02/2014
Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Graciliano Ramos na
lista de mais vendidos. De que época se está falando? Da atual.
Clássicos de gerações anteriores, os três possuem títulos que figuram
em altas posições no ranking de literatura brasileira em 2013 -
trata-se de uma das nuances do gosto do leitor brasileiro reveladas em
levantamentos feitos, a pedido do
Valor, por duas empresas globais de monitoramento de consumo que passaram a se dedicar ao mercado de livros daqui.
A Nielsen, mais presente no mercado americano, trouxe para cá em
junho sua ferramenta BookScan. De maior tradição na Europa, a GfK
acompanha vendas de livros no país há dois anos, tempo que lhe permite
esboçar as primeiras tendências. Ambas são empresas de longa experiência
no estudo de outros setores da economia brasileira.
Listas só com autores nacionais não costumam ser preparadas pelas
livrarias e veículos da imprensa que se dedicam à tarefa, o que torna
esses dados invisíveis. Pois a disputa de nacionais com estrangeiros é
quase sempre inglória para os primeiros. A literatura daqui representou
4,8% do faturamento do mercado em 2013, informa a GfK. A estrangeira,
com 21,3%, manteve-se como o maior dos segmentos. Para chegar a um posto
entre os dez mais vendidos, incluindo todos os gêneros de qualquer
origem, o título precisa alcançar num mês a marca de 15 mil exemplares
vendidos. Numa soma concentrada apenas em ficção, 9 mil. A meta a
atingir numa lista exclusivamente de nacionais é bem mais razoável: 2
mil.
Num ranking de 50 de literatura brasileira elaborado pela GfK, o
primeiro lugar tem Paulo Leminski, com a antologia "Toda Poesia". Não é
surpresa que o poeta curitibano, morto há quase 15 anos, se encontre aí.
A nova antologia o fez alcançar um posto difícil, sobretudo para a
poesia, até nas listas que incluem estrangeiros. Mas o que vem a seguir?
Esticando a vista, o que se nota é a constância de clássicos.
Clarice, com "A Hora da Estrela", está na 13ª posição. Drummond
alcança com "Sentimento do Mundo" o lugar de número 16. O velho Graça
vem logo depois, no 17, com "Vidas Secas". Uma depuração ainda maior
evidencia o peso dos grandes nomes do passado. Os três medalhões passam
para o "Top Ten" (ver tabela na página 29, à direita) quando se produz
um levantamento excluindo os autores hits, aqueles que atingem
incomparáveis picos de vendas com títulos de autoajuda, fantasia e
ficção científica.
Entre contemporâneos que fazem sucesso, há dois cronistas que
emplacam mais de uma obra nesse mesmo "Top Ten". Martha Medeiros surge
em segundo e quinto com, respectivamente, "A Graça da Coisa" e "Feliz
por Nada". E Luis Fernando Verissimo, em quarto e décimo, com "Diálogos
Impossíveis" e "Os Últimos Quartetos de Beethoven". Nomes conhecidos da
TV, a atriz Fernanda Torres está em terceiro com seu romance de estreia,
"Fim", e o autor de novelas Walcyr Carrasco, em sexto, com "Juntos para
Sempre", lançado na mesma época em que ocupou o horário nobre com a
telenovela "Amor à Vida".
Não são muitos os nomes da nova geração ou lançados na última década -
esses que vencem prêmios de prestígio e participam de festas
literárias. Sem descontar os best-sellers, aparecem na lista Daniel
Galera (29º lugar), com "Barba Ensopada de Sangue", e Francisco Azevedo
(45º), com "Arroz de Palma". Os clássicos é que continuam presentes.
Jorge Amado surge duas vezes (24ª e 38ª posições), Machado (39ª) e
Aluísio Azevedo (50ª) em uma. Nem todos os dados pedidos - como o de
valores absolutos - puderam ser informados, por questões de
confidencialidade.
A permanência de nomes consagrados de outras épocas é aferida em
outra conta, também da GfK, que soma todos os títulos à venda de um
mesmo autor. Machado de Assis está entre os dez nacionais mais vendidos
no ano passado (ver tabela acima).
Em domínio público - ocorre 70 anos após a morte -, o autor de "Dom
Casmurro" pode ser publicado livremente, por qualquer editora, e até
mesmo baixado de graça do site do Ministério da Cultura. O resultado:
hoje são 200 ISBNs (código que identifica título) relacionados a ele,
indica estudo da Nielsen/BookScan. Ao preço médio de R$ 23,43, esses
exemplares foram lançados por mais de 30 editoras. Num acumulado de 28
semanas, com 26.270 mil vendidos, faturou-se cerca de meio milhão de
reais.
Entre os clássicos, os nomes que mais vendem chegam a corresponder,
sozinhos, a percentuais entre 2% e 3% no faturamento de literatura
brasileira. Na conta, considera-se apenas o varejo. Não estão incluídas
as aquisições do governo, que não são poucas - representam mais de um
terço da indústria do livro do país.
Único na lista de dez principais best-sellers nacionais que se
dedicou à ficção, o Bruxo do Cosme Velho, quem sabe pela alcunha, está
em insuspeitada companhia. Nos três primeiros lugares, glorificam-se
Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, o padre
católico Marcelo Rossi e o psicoterapeuta-guru Augusto Cury. Nacionais
que nada devem a um best-seller estrangeiro.
Atingir um milhão de exemplares vendidos pode ser milagre para um
autor brasileiro - não para Edir Macedo. Seu sucesso em 2013 se deu de
tal modo que alterou os números de uma categoria inteira. O gênero que
registrou o maior crescimento no ano passado foi o de biografias: as
vendas aumentaram 30,7% em comparação a 2012. Computados como
biografias, os livros do bispo, sozinhos, representaram 76% dos
exemplares adquiridos em 2013. Num cálculo que o exclua, o nicho de
biografias, que correspondeu a 5,3% do faturamento de todo o mercado de
livros do ano passado, recua para 1,5%.
Com a médium Zibia Gasparetto e outro padre, Fábio de Mello, nos dez
mais vendidos entre autores nacionais, confirma-se o predomínio do
religioso/esotérico, que representou 8% do mercado ano passado, segundo a
GfK. Numa lista de 50 mais vendidos, cada um desses autores comparece
com mais de um título. Até com uma dezena: Augusto Cury tem sete na de
não ficção e três na lista de ficção.
Quando descontados esses títulos entre a espiritualidade e a
autoajuda, sobressai a história do Brasil na lista de não ficção. Seja
com a série de reportagem histórica de Laurentino Gomes, seja com a
abordagem politicamente incorreta de Leandro Narloch. Incluem-se ainda,
entre destaques, cinco com personagens e temas brasileiros: três livros
biográficos, um de reportagem, outro de política (ver tabela acima).
Afora o nicho de biografia, alavancado pelo fator Edir Macedo, outra
categoria apresentou incremento importante no ano passado. O setor
infantojuvenil cresceu 14% e já é o segundo maior do mercado de livros,
com 18,6%, atrás apenas de literatura estrangeira, informa a GfK. Ainda
entre os que mais se destacam, embora com pouca participação no
conjunto, encontram-se os segmentos de HQ/jogos e de concurso público.
No primeiro caso, as vendas aumentaram 20,6%, passando a representar
2,3%. No de concurso público, 12,7%, alcançando 1,1% do mercado. Não se
deve estranhar a presença de um catatau jurídico como "Vade Mecum" no
"Top Ten" - a depender da semana, acontece.
Editoras e livrarias precisam desenvolver melhor
as estratégias para aumentar as vendas da "midlist", diz especialista
no mercado editorial
A decisão de investir no mercado de livros deveu-se à expectativa de
sua expansão no Brasil. "Acreditamos que pode crescer com o país, há em
curso uma expansão das redes de livrarias e vamos começar a ter os
efeitos do Vale Cultura", avalia Claudia Bindo, que comanda essa área na
GfK. Nicho não explorado, de grande potencial, "historicamente sempre
teve autores mundialmente reconhecidos, mas nunca uma área de
inteligência de mercado desenvolvida", pondera o analista de mercado da
Nielsen BookScan Alexei Rakowitsch.
Editores que passaram a usar os serviços de ambas relatam que, antes,
havia a dificuldade de estimar tiragens e reimpressões sem saber o giro
semanal. A dependência de dados isolados fornecidos pelas
distribuidoras e livrarias, atribuladas com as próprias atividades,
deixava a operação mais lenta e imprecisa. Nas pesquisas, que são
automatizadas, contabilizam-se livrarias tanto físicas quanto virtuais.
Do mesmo modo, os títulos são computados independentemente do formato,
se físico ou digital. A GfK cobre já 69%, a Nielsen/Bookscan, entre
50%-60% das vendas de livros trade.
A concentração - poucos títulos com grandes resultados - acompanha
outros grandes mercados mundiais, mas, aqui, a proporção é menor. Na
interpretação do analista da Nielsen/BookScan, o mercado brasileiro se
apresenta, assim, com enorme potencial e perspectiva de mudança. Com uma
comparação é possível compreender com mais clareza. O Top 500
brasileiro reúne 1% dos ISBNs, em torno de 30-40% do faturamento total
de vendas. Em apenas uma semana, a última de janeiro, o primeiro lugar
tinha vendido dez mil exemplares. O de número 500, algumas centenas. Na
posição mil, em torno de cem. Na Inglaterra, cujo sistema de medição é o
mesmo, há um Top 5 mil, com 2% do total de ISBNs correspondendo a 40%
do faturamento. Enquanto no Brasil são vendidos entre 50 mil e 60 mil
títulos por semana, lá são 200 mil. No mercado inglês, são 3 milhões de
ISBNs na base de dados; no brasileiro, menos de um terço disso.
A diferença, na comparação com outros mercados, é que aqui os
best-sellers ficam mais tempo nas listas, ou seja, sua influência é
maior. "O Brasil é um país afeito a modismos", ressalta Rakowitsch.
Ângulos do comportamento dos leitores podem já ser deduzidos a partir
do mapeamento de sete meses da Nielsen/BookScan - há planos de, ainda
em 2014, ampliar essa investigação, para que seja mais bem definido o
perfil de quem compra livros no Brasil. Das primeiras constatações, uma
se refere a preço. "O que se pensava é que não era fator decisivo, mas
vemos que sim. Faz diferença e altera muito a trajetória de um livro",
diz o analista. "No Top 500, a principal tendência é o patamar de
desconto e o impacto em vendas, independentemente do gênero." A segunda é
quanto ao marketing. "É tão importante para o mercado editorial quanto
para qualquer outro de consumo de massa."
Um dos comportamentos identificados é a do "light user", o sujeito
que vai duas ou três vezes por ano às livrarias, em geral em época de
grandes datas. Segue diretamente para a seção dos best-sellers. Não é
difícil supor que há, na outra ponta, um "heavy user". Como sugere outro
dado da Nielsen/BookScan: cerca de 40% dos ISBNs comprados aqui são
originados de países estrangeiros - em faturamento, corresponde a 4%.
Indicativos de concentração, os números levantados até aqui também
apontam para uma grande dispersão. Para uma medida dessa
bibliodiversidade, tem-se que 80% do total de ISBNs do país vendem até
cinco exemplares por semana, 10% do faturamento. "Constituem o fundo de
catálogo, que atende leitores que leem muito ou que têm interesses
específicos", explica Haroldo Ceravolo, à frente da Libre, a liga das
editoras independentes, para quem esses números estão, "no geral, dentro
do que estimam", refletindo a "variedade muito ampla do mercado
brasileiro, com muito mais fornecedores nessa faixa do que nos outros
países." Ceravolo acredita que até dez exemplares por semana fazem parte
dessa categoria; que, pelos seus cálculos, pode chegar a 15% ou 20% do
faturamento. No entanto, as vendas podiam ser melhores. "Os livros estão
muito escondidos nas livrarias."
De fato, com relata o analista da Nielsen/BookScan, há
"homogeneização do portfólio de títulos nas principais redes de
livraria, focadas nos títulos de distribuição e ações de preço
consistentes".
Mais do que bibliodiversidade, Felipe Lindoso, especialista em
mercado editorial e políticas para o livro, vê nesses números a
importância da internet. "O catálogo on-line é muito, muito maior que o
estoque disponível nas lojas. O leitor procura, acha e pede, e as lojas
encomendam. Aí aparece no dado do varejo. A internet aponta para o
possível potencial de vendas dos fundos de catálogo."
O sucesso de clássicos como Clarice, Graciliano e Drummond, segundo
Lindoso, deve estar vinculado a campanhas de marketing recentes. Alguns
desses autores mudaram de editora; outros se beneficiaram de maior
preocupação de antigos editores. Efemérides ou homenagens - caso de
Graciliano na Flip de 2013 - também contribuíram para sua divulgação.
"Como as editoras de fato não trabalham os autores nacionais mais novos,
estes não aparecem. Se examinar as listas da Inglaterra e dos Estados
Unidos, autores contemporâneos de alta literatura ou pelo menos de boa
literatura em geral aparecem com mais frequência porque são trabalhados
pelas editoras. Aqui se lança, literalmente, à sorte, o autor nacional."
Lindoso argumenta que há ainda poucas campanhas de marketing usando
metadados de forma inteligente. "Para considerar com otimismo o mercado,
seria necessário que editoras e livrarias desenvolvessem melhor suas
estratégias para aumentar as vendas daquilo que os americanos e ingleses
chamam de 'midlist'. Editoras e livrarias dependem quase exclusivamente
do que 'cai no gosto' da imprensa e do público ou é o resultado de
trabalho de autores que cultivam as redes sociais."
A presença de clássicos na lista é, na visão de Ceravolo, da Libre,
mais resultado do Estado que do mercado. "É herança do sistema escolar,
que faz o leitor conhecer o cânone, mas não o estimula a se interessar
pelos contemporâneos. Esses livros vendem muito porque é isso que as
pessoas estudam, o livro está muito ligado à ideia de escola." Como
lembra, existem bons programas de formação de leitores voltados para
crianças e jovens, mas falta fazer que continuem a ler depois que saem
da escola. "Os leitores são formados de modo a conhecer o cânone, mas
não a manter a curiosidade pelo livro. A questão é como formar leitores
para sempre."
O modismo dos best-sellers relaciona-se, como avalia Ceravolo, à
dificuldade para o leitor obter informação sobre os livros. "Estão pouco
presentes na TV, jornais ou revistas, não fazem parte de outras esferas
da vida nacional. E o leitor não é treinado para ir além dos
best-sellers." Quanto aos ISBNs importados, crê que se trata "do reflexo
do crescimento da pós-graduação nos últimos anos".
fez-se a insinuação de que o livro de Walcyr Carrasco está entre os mais vendidos por seu livro ter sido lançado enquanto tinha uma novela de sua autoria no ar.
ResponderExcluirpois bem: Drummond e Graciliano estão entre os mais vendidos por seus livros serem LEITURA OBRIGATÓRIA DO VESTIBULAR. caso não fossem, na lista não estariam ;)