Tomar todas pode ser fatal
Especialistas alertam que bebedeiras esporádicas aumentam risco de morte na meia-idade. O comportamento ainda danifica capacidade de aprendizagem
Paloma Oliveto
Estado de Minas: 17/03/2014
O hábito de beber socialmente pode esconder um padrão de consumo alcoólico perigoso. Isso porque, por trás de uma frequência baixa, é provável que o usuário esteja abusando das doses. Mesmo que só de vez em quando, “tomar todas” acelera a mortalidade de pessoas na meia-idade, segundo um estudo que será publicado na edição de maio da revista Alcoholism: Clinical & Experimental Research. Os pesquisadores do Centro Médico da Universidade de Boston e da Universidade do Texas alertaram que beber em binge — ingerir uma quantidade alta em uma única ocasião — está se tornando cada vez mais comum, mas, de acordo com eles, o costume não recebe a atenção merecida.
O psiquiatra e psicólogo Charles J. Holahan, professor da Universidade do Texas em Austin e coautor do estudo, diz que até as pesquisas médicas consideram mais a frequência para determinar se o consumo de bebida é moderado ou excessivo. “Muitos artigos sugerem que a ingestão moderada de álcool é até benéfica, mas estamos esquecendo que os perigos da bebida não se relacionam só a quantas vezes você a consome. Também é uma questão de como você a consome”, diz. Ele lembra que quem bebe em binge não o faz todos os dias, o que pode, aparentemente, caracterizar a moderação. Contudo, as pessoas que seguem esse padrão ingerem muitas doses de uma só vez. Estudos recentes têm associado o binge a problemas sociais, como aumento da violência doméstica, e físicos, um declínio na produção de neurônios, por exemplo.
Agora, a equipe da Universidade de Boston investigou se esse tipo de ingestão de álcool tem impacto sobre a mortalidade. Os médicos avaliaram dados de 446 pessoas com idade entre 55 e 65 anos que participaram de um estudo epidemiológico de longo prazo, no qual informaram seus hábitos, incluindo o de beber. A pesquisa acompanhou os 334 homens e as 112 mulheres por 20 anos, registrando os atestados de óbito quando havia falecimentos. Os cientistas de Boston usaram essas informações, ajustando dados socioeconômicos e de comorbidades.
Da amostra estudada, 74 indivíduos admitiram beber em binge. Embora se considerassem moderados, já que não ingeriam álcool frequentemente, relataram que costumavam se embriagar nessas ocasiões. Os outros 372 participantes bebiam regularmente, mas sempre em baixas dosagens, como uma taça de vinho. No período de duas décadas, o número de óbitos no primeiro grupo foi mais de duas vezes maior: 61% das pessoas estavam mortas no fim desse espaço de tempo, contra 37% de falecimentos registrados entre as pessoas que bebiam, de fato, com moderação.
“Beber em binge é perigoso e muitas coisas ruins ocorreram com os indivíduos que se encaixavam nesse padrão ou com pessoas que estavam com eles, como acidentes de carro, brigas, violência doméstica, estupro etc.”, conta Timothy Naimi, pesquisador sobre álcool do Centro Médico da Universidade de Boston. “No geral, 25% das pessoas que se consideram bebedoras moderadas admitem beber em binge. Esses dados que estamos trazendo precisam ser seriamente avaliados por tomadores de decisões e formuladores de políticas públicas”, alerta.
O médico destaca que, além do risco maior de envolvimento em acidentes, essa forma de consumo aumenta a toxicidade do álcool nos órgãos. No fígado, uma das partes do corpo mais sensíveis à bebida, os efeitos são dramáticos. “Pesquisas já mostraram que, quando se bebe em binge, cria-se uma resposta inflamatória hepática que é como uma bomba de fragmentação: sinais de danos aos tecidos são enviados para o corpo inteiro”, exemplifica.
Toxicidade maior Naimi também cita um estudo recente que constatou que, entre os mais velhos, beber em excesso eventualmente piora os efeitos da insônia, um problema já bastante frequente a partir da meia-idade. “Além disso, no caso dos adultos mais velhos, essa atitude pode contribuir ainda mais para a mortalidade porque, com o passar dos anos, elevam-se as comorbidades, assim como o uso de medicamentos, e a bebida sabidamente interage com a maior parte dos remédios”, alerta.
Para o cérebro, a ingestão em binge funciona como um pesticida que, ao pulverizar grandes quantidades de uma só vez, acaba matando as células. Em um estudo de laboratório, o cientista Oliver George, do Instituto de Pesquisa The Scripps em La Jolla, constatou que o consumo intermitente danifica a memória de trabalho, um elemento essencial para a execução de tarefas do dia a dia e que já sofre um impacto negativo com o avançar da idade. “Mesmo pessoas que nunca beberam costumam experimentar perdas cognitivas associadas ao envelhecimento. Então, imagine o mal que o consumo em binge não faz para o cérebro de quem está se aproximando da velhice”, adverte George.
O estudo que ele conduziu, com ratos, mostrou alterações cerebrais que, até agora, estavam associadas apenas à ingestão pesada e frequente. “São mudanças importantes no córtex pré-frontal, uma região muito importante para as funções executivas, o aprendizado e a memória de trabalho. Sabíamos que alcoólicos — humanos e animais — exibiam essas alterações, mas vimos que elas estão presentes também nos roedores treinados para beber em binge”, conta.
“A mensagem aos leitores é que beber em binge é um problema de saúde pública significativo, cada vez mais frequente entre pessoas na meia-idade e idosos”, destaca o psiquiatra Timothy Naimi. “Para os médicos, acredito que a lição é a dificuldade em medir o que é beber moderadamente. Pacientes que se dizem bebebores moderados podem, na verdade, estar consumindo álcool de maneira muito arriscada”, ensina.
Tratamento pela estimulação de neurônios
Uma das mais promissoras técnicas da medicina neurológica, a terapia optogênica poderá ser aplicada no tratamento de alcoolismo e de outras dependências químicas, segundo pesquisadores da Universidade de Búfalo (EUA). Em roedores, eles conseguiram interromper o padrão de consumo em binge estimulando neurônios associados à liberação de substâncias naturais responsáveis pelo bem-estar.
O estudo, publicado na revista Frontiers in Neuroscience, é o primeiro a demonstrar a relação causal entre o lançamento do neurotransmissor dopamina no cérebro e o consumo de álcool em animais. Primeiro, os ratos foram treinados para beber em binge. Em seguida, os cientistas usaram feixes de luz para estimular a produção da substância. “Ao despertar a atividade dos neurônios que produzem dopamina por meio de um padrão preciso, conseguimos fazer com que os animais parassem de beber em binge”, conta Caroline E. Bass, professora de farmacologia e toxicologia da universidade.
As células cerebrais foram induzidas a liberar menos quantidade de dopamina, mas de maneira mais prolongada. Mesmo depois que a estimulação acabou, os ratos continuaram a evitar o álcool, sugerindo que o efeito da técnica é duradouro. “Há décadas, observamos que regiões específicas do cérebro se tornam mais ativas em um alcoólico quando ele bebe ou olha fotos de outras pessoas bebendo. Mas não sabíamos se essas mudanças no comportamento cerebral realmente governavam o comportamento de dependência.”
Diferentemente de outras técnicas de estimulação profunda do cérebro, que se baseiam em descargas elétricas, o novo método utiliza a luz para ativar neurônios, facilitando o direcionamento dos feixes ópticos. “O cérebro tem muitos tipos de neurônios e a optogenética permite estimular as células mais específicas”, diz Bass, que acredita que técnica também poderá ser usada para tratar Parkinson e depressão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário