Zero Hora 13/04/2014
Eu tentava descrever como era aquela dor, mas não encontrava jeito.
Acontecia nas pernas, nas duas ao mesmo tempo. Não era fadiga muscular,
não era um machucado, nem torção, nada tinha inflamado, eu não havia
batido com elas numa mesa, nem tropeçado, não parecia nem mesmo dor, e
sim um incômodo, um alerta interno. Eu podia caminhar, até correr, se
quisesse. Mas não estava tudo bem, e quando eu vencia a vergonha de não
conseguir explicar exatamente o que sentia e me queixava daquilo que nem
parecia existir de tão aleatório alguém dizia: não esquenta, é a dor do
crescimento.
Um diagnóstico poético demais para uma criança. Como assim, dor do
crescimento? Eu crescia numa velocidade irritantemente lenta, tão poucos
centímetros por ano, não acreditava que esse ganho ínfimo de estatura,
imperceptível, pudesse originar dor. Dor vem do choque, vem do baque,
deixa marca, tem motivo, não poderia nascer assim de um alongamento que
ninguém conseguia enxergar a olho nu.
Reumatismo também não era, porque reumatismo era doença de avós.
Tudo bem que eu já estivesse com quase 11 anos, mas não era assim tão
velha.
“É dor do crescimento, menina, todo mundo tem, não te bobeia. Já já passa”.
Não passou. Apenas subiu das pernas para o coração e depois foi
ainda mais para cima, alojando-se no cérebro. Abandonou os membros
inferiores e passou a fazer turismo em duas regiões de mais prestígio.
Essa transferência aconteceu logo que eu parei de alongar verticalmente e
virei o que se chama por aí de gente grande e estabilizada.
Mas gente grande continua crescendo?
Pois é. Não me peça para explicar, porque sigo não encontrando um
jeito de. Às vezes dói no peito, às vezes na cabeça, às vezes nos dois
lugares ao mesmo tempo, mas não há nada sangrando, e também não é
fadiga, mesmo já se tendo vivido bastante e cansativamente. Torção...
Não, também não. De novo, ninguém esbarrou numa mesa, nenhuma parte do
corpo ficou roxa, não é um arranhão, nem parece dor.
Então é o quê? Um esgotamento por fazer sempre as mesmas perguntas
irrespondíveis, por se retorcer com questões que aparentam ter soluções
simples, mas não têm, por não aceitar que seja difícil o que deveria ser
fácil, por se flagrar tendo reações contundentes quando a vontade era
de chorar baixinho, por tentar estabelecer uma forma de vida que
organize o caos, mesmo sabendo que o caos está sempre atrás da porta
rindo das nossas tentativas de controlá-lo. Nada fica roxo, mas turva a
visão. Nada deixa cicatriz aparente, mas não fecha. Fica aberto,
latente, insistentemente lembrando a existência daquilo que não se
explica, sobre o qual pouco se conversa, mas que, de alguma forma,
também faz a gente ganhar em estatura.
Ainda é a dor do crescimento, e não cessa.
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