sexta-feira, 4 de abril de 2014

Satélite pode conter água no subsolo com condições de abrigar vida

Oceano na órbita de Saturno
 
Pesquisadores italianos encontram fortes evidências de que Enceladus, um dos satélites do planeta, contém um oceano subterrâneo, possivelmente com condições de abrigar vida

Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 04/04/2014


Brasília – Tudo começou em 2005, quando a sonda Cassini, enviada pelas agências espaciais dos Estados Unidos, da Europa e da Itália, observou vapor saindo de Enceladus, uma das menores das mais de 60 luas de Saturno. O material escapava por entre as Listras de Tigre, como são chamadas as fraturas na superfície congelada do objeto. A partir daí, a história do pequeno satélite – apenas 500 quilômetros de diâmetro – passou a merecer mais atenção. Depois de alguns sobrevoos, o equipamento fornece agora novas informações que deixaram os responsáveis pelo projeto entusiasmados: há fortes indícios de que Enceladus tem um oceano subterrâneo em seu polo sul, possivelmente com condições de abrigar vida. Os resultados estão publicados na edição de hoje da revista Science.



Desse modo, o corpo celeste entra em uma seleta lista de locais onde há sinais de que condições favoráveis à vida existem fora da Terra. Nesse rol, estão Titã e Europa, satélites de Saturno e Júpiter, respectivamente, além de Marte, onde esse cenário positivo para o aparecimento de organismos certamente existiu no passado.

A sonda observa Saturno e seus satélites há uma década, tempo suficiente para que a equipe coordenada por Luciano Iess, da Universidade de Roma, interpretasse os dados e percebesse anomalias no campo gravitacional de Enceladus. Após diversas medições, os especialistas concluíram que um grande volume de água no interior da lua saturnina explicaria tanto essas alterações como o vapor detectado em 2005.

As informações entusiasmam também cientistas que não integram a equipe de estudos. “Os resultados reforçam a hipótese de que cenários parecidos possam ocorrer também em outros locais”, avalia José Eduardo Costa, astrofísico do Departamento de Astronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Para ele, o resultado obtido é bastante razoável – e até mesmo esperado – , pois a superfície de Enceladus é completamente coberta de gelo. “Se o interior for suficientemente quente, pode ser que esse gelo esteja, em algum ponto, na forma líquida. Isso já era uma hipótese sem nenhuma evidência”, acrescenta Costa.

Consistente Luciano Iess e colaboradores analisaram os dados colhidos durante três sobrevoos da Cassini sobre o pequeno satélite, a 100km de altura, ocorridos entre abril de 2010 e maio de 2012. Eles perceberam que a rota de voo da pequena nave era sutilmente alterada em algumas regiões, e a única explicação plausível era que o campo gravitacional fosse diferente de um local para o outro. Como gravidade e massa estão fortemente ligadas, os pesquisadores concluíram que a massa no interior do satélite deve ser irregular.

O cientista italiano ressalta que não é possível ter certeza dos resultados, pois nenhuma máquina escavou a superfície para comprovar o que há, de fato, no subterrâneo. Mas os dados estão bem embasados, garante. “Análises mais precisas necessitam de sismógrafos instalados no local, e isso não deve ocorrer em breve. No entanto, tivemos evidências consistentes de que existe uma anomalia negativa na massa do polo sul. Há, ali, menos massa do que é esperado para um corpo uniforme. Isso só pode estar sendo compensado por alguma coisa que, provavelmente, é água”, afirma. Além disso, as análises indicam que Enceladus é um corpo diferenciado, com um núcleo de baixa densidade e com manto e crosta separados.

Iess diz ainda que o oceano fica em contato com rochas de silicato, o que significa que o ambiente é propício para reações químicas complexas, parecidas com as da Terra primitiva, quando a vida começava a se formar. Essa característica também é vista em Europa.

Estudos como o apresentado na Science têm mostrado que a água pode não ser um recurso tão raro assim no Universo. José Eduardo Costa, da UFRGS, diz que sinais do líquido em outros corpos do Sistema Solar, ou até mesmo fora da galáxia, têm ficado mais frequentes. “Essa água é proveniente de cometas que bombardearam os corpos do Sistema Solar no passado. Se existe um oceano líquido abaixo da crosta de Enceladus, Europa ou outras luas, quer dizer também que há uma fonte de calor para derreter o gelo. Com a água, esse ambiente torna-se rico de elementos essenciais para a vida e fatores biogênicos. No entanto, isso não significa que serão, com certeza, habitados”, diz o professor.

Fernando Roig, pesquisador do Observatório Nacional, afirma que essa água é exatamente como a encontrada na Terra, “e talvez não seja salgada”. “Se tivéssemos que escolher um lugar próximo daqui, além de Marte, para procurar micro-organismos, talvez um dos melhores lugares fosse Enceladus”, aposta. Para ele, os resultados de Iess são importantes por oferecerem uma perspectiva de vida fora da Terra, mesmo que de uma forma distinta da do Planeta Azul. Enceladus, por exemplo, não tem atmosfera, e essa vida seria restrita ao meio aquoso. Mesmo assim, Roig considera uma grande descoberta.

O pesquisador diz também que a falta de atmosfera anula, ou pelo menos dificulta, a chance de a humanidade um dia colonizar o satélite. Ele é muito pequeno e tem baixa gravidade, dois fatores importantes para o desenvolvimento de uma civilização humana. “Se tivéssemos que colonizar outros mundos, talvez o primeiro fosse Marte, que é mais próximo e tem uma estrutura semelhante à do nosso planeta. Mesmo que a atmosfera não seja compatível, a gravidade é parecida, e a temperatura, ainda que extrema, não é mais radical do que a da Antártida. Além disso, já existiu água em Marte e talvez ainda exista sob a superfície”, comenta Roig.

Nenhum comentário:

Postar um comentário