Oceano na órbita de Saturno
Pesquisadores italianos encontram fortes
evidências de que Enceladus, um dos satélites do planeta, contém um
oceano subterrâneo, possivelmente com condições de abrigar vida
Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 04/04/2014
Brasília – Tudo
começou em 2005, quando a sonda Cassini, enviada pelas agências
espaciais dos Estados Unidos, da Europa e da Itália, observou vapor
saindo de Enceladus, uma das menores das mais de 60 luas de Saturno. O
material escapava por entre as Listras de Tigre, como são chamadas as
fraturas na superfície congelada do objeto. A partir daí, a história do
pequeno satélite – apenas 500 quilômetros de diâmetro – passou a merecer
mais atenção. Depois de alguns sobrevoos, o equipamento fornece agora
novas informações que deixaram os responsáveis pelo projeto
entusiasmados: há fortes indícios de que Enceladus tem um oceano
subterrâneo em seu polo sul, possivelmente com condições de abrigar
vida. Os resultados estão publicados na edição de hoje da revista
Science.
Desse modo, o corpo celeste entra em uma seleta lista de
locais onde há sinais de que condições favoráveis à vida existem fora
da Terra. Nesse rol, estão Titã e Europa, satélites de Saturno e
Júpiter, respectivamente, além de Marte, onde esse cenário positivo para
o aparecimento de organismos certamente existiu no passado.
A
sonda observa Saturno e seus satélites há uma década, tempo suficiente
para que a equipe coordenada por Luciano Iess, da Universidade de Roma,
interpretasse os dados e percebesse anomalias no campo gravitacional de
Enceladus. Após diversas medições, os especialistas concluíram que um
grande volume de água no interior da lua saturnina explicaria tanto
essas alterações como o vapor detectado em 2005.
As informações
entusiasmam também cientistas que não integram a equipe de estudos. “Os
resultados reforçam a hipótese de que cenários parecidos possam ocorrer
também em outros locais”, avalia José Eduardo Costa, astrofísico do
Departamento de Astronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Para ele, o resultado obtido é bastante razoável – e até mesmo
esperado – , pois a superfície de Enceladus é completamente coberta de
gelo. “Se o interior for suficientemente quente, pode ser que esse gelo
esteja, em algum ponto, na forma líquida. Isso já era uma hipótese sem
nenhuma evidência”, acrescenta Costa.
Consistente Luciano Iess e
colaboradores analisaram os dados colhidos durante três sobrevoos da
Cassini sobre o pequeno satélite, a 100km de altura, ocorridos entre
abril de 2010 e maio de 2012. Eles perceberam que a rota de voo da
pequena nave era sutilmente alterada em algumas regiões, e a única
explicação plausível era que o campo gravitacional fosse diferente de um
local para o outro. Como gravidade e massa estão fortemente ligadas, os
pesquisadores concluíram que a massa no interior do satélite deve ser
irregular.
O cientista italiano ressalta que não é possível ter
certeza dos resultados, pois nenhuma máquina escavou a superfície para
comprovar o que há, de fato, no subterrâneo. Mas os dados estão bem
embasados, garante. “Análises mais precisas necessitam de sismógrafos
instalados no local, e isso não deve ocorrer em breve. No entanto,
tivemos evidências consistentes de que existe uma anomalia negativa na
massa do polo sul. Há, ali, menos massa do que é esperado para um corpo
uniforme. Isso só pode estar sendo compensado por alguma coisa que,
provavelmente, é água”, afirma. Além disso, as análises indicam que
Enceladus é um corpo diferenciado, com um núcleo de baixa densidade e
com manto e crosta separados.
Iess diz ainda que o oceano fica em
contato com rochas de silicato, o que significa que o ambiente é
propício para reações químicas complexas, parecidas com as da Terra
primitiva, quando a vida começava a se formar. Essa característica
também é vista em Europa.
Estudos como o apresentado na Science
têm mostrado que a água pode não ser um recurso tão raro assim no
Universo. José Eduardo Costa, da UFRGS, diz que sinais do líquido em
outros corpos do Sistema Solar, ou até mesmo fora da galáxia, têm ficado
mais frequentes. “Essa água é proveniente de cometas que bombardearam
os corpos do Sistema Solar no passado. Se existe um oceano líquido
abaixo da crosta de Enceladus, Europa ou outras luas, quer dizer também
que há uma fonte de calor para derreter o gelo. Com a água, esse
ambiente torna-se rico de elementos essenciais para a vida e fatores
biogênicos. No entanto, isso não significa que serão, com certeza,
habitados”, diz o professor.
Fernando Roig, pesquisador do
Observatório Nacional, afirma que essa água é exatamente como a
encontrada na Terra, “e talvez não seja salgada”. “Se tivéssemos que
escolher um lugar próximo daqui, além de Marte, para procurar
micro-organismos, talvez um dos melhores lugares fosse Enceladus”,
aposta. Para ele, os resultados de Iess são importantes por oferecerem
uma perspectiva de vida fora da Terra, mesmo que de uma forma distinta
da do Planeta Azul. Enceladus, por exemplo, não tem atmosfera, e essa
vida seria restrita ao meio aquoso. Mesmo assim, Roig considera uma
grande descoberta.
O pesquisador diz também que a falta de
atmosfera anula, ou pelo menos dificulta, a chance de a humanidade um
dia colonizar o satélite. Ele é muito pequeno e tem baixa gravidade,
dois fatores importantes para o desenvolvimento de uma civilização
humana. “Se tivéssemos que colonizar outros mundos, talvez o primeiro
fosse Marte, que é mais próximo e tem uma estrutura semelhante à do
nosso planeta. Mesmo que a atmosfera não seja compatível, a gravidade é
parecida, e a temperatura, ainda que extrema, não é mais radical do que a
da Antártida. Além disso, já existiu água em Marte e talvez ainda
exista sob a superfície”, comenta Roig.
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