quinta-feira, 5 de junho de 2014

A fiscalização do trabalho escravo‏

A fiscalização do trabalho escravo

Cristiana Nepomuceno
Advogada, professora de direito administrativo
Estado de Minas: 05/06/2014


Segundo dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), publicados recentemente pelo Estado de Minas, com o aumento recorde da fiscalização, houve uma alta significativa na constatação de trabalho análogo ao de escravo no meio urbano. O curioso é que a agricultura e a pecuária, atividades rurais, ainda lideram as pesquisas sobre esse tipo de evento. Em termos de trabalhadores resgatados nessa situação, Minas Gerais encabeça o ranking nacional.

A triste notícia pode ser lida sob vários ângulos. O aumento do índice de trabalho escravo pode estar associado à maior informalidade da atividade econômica, mais constante em momentos de crise econômica, como o vivenciado pelo Brasil. É possível também que a ação dos fiscais do Grupo Especial de Fiscalização do MTE e dos auditores do Trabalho, que traçaram metas a serem cumpridas, tenha apenas constatado uma realidade existente no país. Mas é possível supor que a participação mais efetiva do Ministério Público do Trabalho na ação governamental de combate ao trabalho escravo, uma interpretação mais incisiva dos juízes e tribunais do Trabalho sobre as normas jurídicas que protegem os trabalhadores e até a edição de normas mais rigorosas possam ter servido de pano de fundo para o quadro constatado.

Tem-se, pois, como importante a atuação dos órgãos de fiscalização e do Ministério Público do Trabalho sobre o tema, ao buscarem, em conjunto, a efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores previstos na Constituição Federal e nas leis trabalhistas, pois não é mesmo aceitável que em plena Era Digital a sociedade se depare com a vergonhosa situação em que trabalhadores sejam utilizados em situação de escravidão, prática abolida do país há mais de 120 anos, para aferição de maiores lucros pelo capital dito “selvagem”, em detrimento da dignidade daqueles que são responsáveis, em última análise, pelo sucesso dos empreendimentos.

No entanto, os órgãos de fiscalização e o próprio Ministério Público devem avaliar com muito cuidado as situações encontradas. Haverá, tanto um quanto o outro órgão, que separar, nos casos concretos, o joio do trigo, o mal empreendedor do empreendedor de boa-fé. Refiro-me àquele que, com sua ação empresarial bem-intencionada, produz, gera empregos e renda para o país e paga os seus impostos. Uma interpretação errônea dos fatos ou uma ação equivocada da fiscalização pode gerar enormes prejuízos ao Brasil, ao causar danos irreparáveis às empresas, desestimulando-as a investir e produzir, devido às gravíssimas repercussões desse fato nos campos administrativo (multas, suspensão de financiamentos etc.), civil (reparação de danos, inclusive morais) e penal (processo criminal).

Verificada a ocorrência da fiscalização e a autuação da empresa, recomenda a gravidade da situação que o empreendedor de boa-fé busque urgentemente assessoramento jurídico e técnico, tenha acesso aos autos de fiscalização e tente solucionar a questão no início, ainda na esfera administrativa, evitando maiores dissabores à frente. O retardamento da iniciativa do diálogo com os órgãos públicos poderá tornar as coisas irreversíveis. As superintendências regionais do Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho, instituições de grande relevância social, no grau de maturidade e aperfeiçoamento em que se encontram, saberão diferenciar as situações de boa-fé e buscar as soluções que sejam mais justas, resguardando os direitos dos trabalhadores e preservando a atividade econômica. Para o empresário de boa-fé, nesse processo, é preciso demonstrar, e não somente ter, boas intenções e estar bem assessorado jurídica e tecnicamente. E, por fim, ter agilidade e desprendimento para que uma questão que possa ser solucionada no âmbito administrativo não se transforme numa enorme dor de cabeça.

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