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Orates
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 08/06/2014
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 08/06/2014
Recém-lançado em Belo
Horizonte pela Editora da Unifor – Universidade de Fortaleza, o livro
Orates (contos clínicos), do psiquiatra e psicanalista mineiro Musso
Greco, merece nossa atenção. Ele ganhou o prêmio de Literatura da Unifor
em 2013.
A palavra orate significa indivíduo sem juízo, tresloucado, louco, doido. Deriva do catalão orat (1425), que, por sua vez, deriva do latim auratus, de aura: vento, sopro, alma. Como sugere o título, o livro é uma “casa de orates”, e, nela, psiquiatra e psicanalista se encontram reunindo um pouco da experiência de bom escutador e escritor para nesses contos conferir dignidade aos relatos de pacientes, quase sempre desacreditados.
É frequente dispensar as palavras dos psicóticos por carecerem de um sentido comum, lógico ou racional. Por seu conteúdo delirante, acredita-se que não merecem atenção e escuta. Um equívoco desastroso, já que é da reunião entre escuta do delírio e medicação apropriada que se alcançam melhores resultados.
A psiquiatria biológica dispensa a escuta, visando apenas o controle através de medicação, apostando na regulação das funções cerebrais. O autor, porém, aponta para a importância de uma clínica voltada para o sujeito e para uma determinação inconsciente no delírio. Greco não pretende a teorização, nem mesmo tem alguma pretensão pedagógica. Numa busca pessoal, escreve para curar-se.
O trabalho mostra grande sensibilidade do autor. Aqui a direção é outra. Como se pode ler a cada capítulo nos quais se nos oferecem estranhos delírios. Os contos clínicos demonstram que escutar os delírios é um importante recurso, que busca algum sentido ao que não tem nenhum. Delírio que dá uma forma ao que surge como um inconsciente a céu aberto, tal como é o vivido do psicótico.
O autor apresenta sua obra como uma espécie de vazadouro para a contradição. Toma as palavras e imagens que, como ele próprio diz, se ofereciam como imperativos exigentes e invocantes ordenando: escreve-nos! Tomou o imperativo para si e captura cada letra. Eu sou os outros fabricado em santidade, confessa o autor, tomando de empréstimo uma das significativas falas de um paciente.
Consultórios, centros de convivência, hospitais, livros, internet ou até das ruas, Musso colhe o alfabeto dos desarrazoados, persegue o ritmo e o esforço de estilo, o verso que subjaz na língua. Da loucura faz arte e poesia.
Nesta obra, casa de palavras, coube de tudo: célebres anônimos, pseudônimos e muitos outros orates: o messias, a santa, herodes, o príncipe, a macabéa, o poeta das coisas contrárias, a mendiga, o espião, o pichador, o suicida e ele mesmo.
Da miscelânea de narrativas faz seu projeto acompanhado de escritores que visitam sua escrita tais como Machado de Assis com O alienista, Gautier, Clarice Lispector, James Joyce, Antonin Artaud, Anais Nin, Ovídio, e toda fonte de escuta que recebe das ruas, clínica e diversas fontes atuais.
O livro prende a atenção do leitor interessado na diversidade assumida pela loucura, exposta através de fragmentos de relatos e das tantas formas como se apresentam os loucos para se fazerem minimamente entender, em sua capacidade de transmitir por onde andam em sua viagem através de um real tão raro e incomum.
Musso se apresenta: “Guardião das palavras dos outros, depositário de sonhos e delírios, uma espécie de Funes, compelido a purgar a memória, busquei, no escrito, a cura. Atrás de mim, o destino do escritor, farkóviskianamente, seguia meus passos, como um louco de navalha na mão...”.
Vale a pena conferir.
>> reginacosta@uai.com.br
A palavra orate significa indivíduo sem juízo, tresloucado, louco, doido. Deriva do catalão orat (1425), que, por sua vez, deriva do latim auratus, de aura: vento, sopro, alma. Como sugere o título, o livro é uma “casa de orates”, e, nela, psiquiatra e psicanalista se encontram reunindo um pouco da experiência de bom escutador e escritor para nesses contos conferir dignidade aos relatos de pacientes, quase sempre desacreditados.
É frequente dispensar as palavras dos psicóticos por carecerem de um sentido comum, lógico ou racional. Por seu conteúdo delirante, acredita-se que não merecem atenção e escuta. Um equívoco desastroso, já que é da reunião entre escuta do delírio e medicação apropriada que se alcançam melhores resultados.
A psiquiatria biológica dispensa a escuta, visando apenas o controle através de medicação, apostando na regulação das funções cerebrais. O autor, porém, aponta para a importância de uma clínica voltada para o sujeito e para uma determinação inconsciente no delírio. Greco não pretende a teorização, nem mesmo tem alguma pretensão pedagógica. Numa busca pessoal, escreve para curar-se.
O trabalho mostra grande sensibilidade do autor. Aqui a direção é outra. Como se pode ler a cada capítulo nos quais se nos oferecem estranhos delírios. Os contos clínicos demonstram que escutar os delírios é um importante recurso, que busca algum sentido ao que não tem nenhum. Delírio que dá uma forma ao que surge como um inconsciente a céu aberto, tal como é o vivido do psicótico.
O autor apresenta sua obra como uma espécie de vazadouro para a contradição. Toma as palavras e imagens que, como ele próprio diz, se ofereciam como imperativos exigentes e invocantes ordenando: escreve-nos! Tomou o imperativo para si e captura cada letra. Eu sou os outros fabricado em santidade, confessa o autor, tomando de empréstimo uma das significativas falas de um paciente.
Consultórios, centros de convivência, hospitais, livros, internet ou até das ruas, Musso colhe o alfabeto dos desarrazoados, persegue o ritmo e o esforço de estilo, o verso que subjaz na língua. Da loucura faz arte e poesia.
Nesta obra, casa de palavras, coube de tudo: célebres anônimos, pseudônimos e muitos outros orates: o messias, a santa, herodes, o príncipe, a macabéa, o poeta das coisas contrárias, a mendiga, o espião, o pichador, o suicida e ele mesmo.
Da miscelânea de narrativas faz seu projeto acompanhado de escritores que visitam sua escrita tais como Machado de Assis com O alienista, Gautier, Clarice Lispector, James Joyce, Antonin Artaud, Anais Nin, Ovídio, e toda fonte de escuta que recebe das ruas, clínica e diversas fontes atuais.
O livro prende a atenção do leitor interessado na diversidade assumida pela loucura, exposta através de fragmentos de relatos e das tantas formas como se apresentam os loucos para se fazerem minimamente entender, em sua capacidade de transmitir por onde andam em sua viagem através de um real tão raro e incomum.
Musso se apresenta: “Guardião das palavras dos outros, depositário de sonhos e delírios, uma espécie de Funes, compelido a purgar a memória, busquei, no escrito, a cura. Atrás de mim, o destino do escritor, farkóviskianamente, seguia meus passos, como um louco de navalha na mão...”.
Vale a pena conferir.
>> reginacosta@uai.com.br
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